A essencialidade dos serviços portuários

A essencialidade dos serviços portuários. Por Marcela Bocayuva

É incontroverso que o setor portuário desempenha papel indispensável e absolutamente relevante para o desenvolvimento econômico do país tanto no plano interno como a nível internacional…

A essencialidade dos serviços portuários

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO CONSULTOR JURÍDICO,
CONJUR,EDIÇÃO DE 31 DE AGOSTO DE 2024

É incontroverso que o setor portuário desempenha papel indispensável e absolutamente relevante para o desenvolvimento econômico do país tanto no plano interno como a nível internacional. Não obstante, a essencialidade dos serviços portuários, bem como da exploração das instalações portuárias há muito vem sendo alvo de debates acalorados no âmbito do parlamento, no âmbito acadêmico e no âmbito do Poder Judiciário.

Ao longo das últimas décadas, as alterações legislativas promovidas – considerando a progressão da promulgação dos diplomas normativos de 8.630/1993, 12.815/2013, Portaria nº 574/2018 do governo federal e da Lei nº 14.047/2020 – exprimem, sobretudo, que a concepção da natureza jurídica de tais serviços, principalmente nos contratos de concessão e arrendamento, têm sofrido variações de entendimento e, por óbvio, essas alterações implicam em consequências lógicas e inafastáveis no tratamento conferido a essa modalidade de serviços.

O consenso quanto ao assunto é de extrema relevância, porquanto a partir do reconhecimento da natureza da essencialidade dos serviços portuários, tal categorização será o pressuposto fundante que regerá o modelo de tratamento de todos os aspectos relativos à exploração desse serviço.

A Constituição, em seu artigo 21, inciso XII, alínea ‘f’, aponta para a titularidade da União no que se refere à exploração dos portos marítimos, fluviais e lacustres. Contudo, é lícito ao Estado exercer o referido poder-dever de forma direta ou indireta – mediante delegação por meio de autorização, permissão e concessão a particulares.

Trata-se, portanto, de serviços cuja prestação é obrigatória pelo Estado, podendo-se concretizar diretamente ou por meio de delegação, sendo que neste último caso, o particular atua por sua conta e risco enquanto o Estado mantém a sua titularidade e responsabiliza-se subsidiariamente pelos danos decorrentes dessas atividades, além de ter resguardada a prerrogativa de retomá-los a qualquer tempo, conforme sua conveniência e oportunidade (Mello, 2014, p.172).

A norma constitucional estabeleceu expressamente que a exploração de atividades relacionadas aos portos ostenta status de serviço essencial, independentemente de se concretizar de forma direta ou indireta. O que significa que qualquer ato normativo infraconstitucional deve ser pautado pela conceituação conferida pela Carta Magna, qual seja, a de serviço essencial.

Minirreforma

No que tange especificamente à essencialidade dos serviços portuários, a Lei nº 14.047 de 2020 foi responsável por instaurar uma minirreforma na Lei nº 12.815/13. Em seu artigo 1º, o referido diploma normativo classificou expressamente os serviços e atividades portuárias como essenciais, medida essa adotada para evitar sua interrupção durante a pandemia da Covid-19, dada a sua importância crucial para assegurar o funcionamento contínuo do setor e, consequentemente, para a sustentação da economia e do progresso do país.

Os serviços chamados de essenciais são aqueles considerados urgentes, os quais, não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. São estes diretamente relacionados às garantias e direitos fundamentais relativos à vida digna dos cidadãos, daí a vedação de sua interrupção até mesmo em situações de calamidades públicas.

STJ, Ministério da Infraestrutura e OCDE

Além disso, o Superior Tribunal de Justiça em decisão proferida no bojo do Recurso Especial nº 1.221.170/PR, ao tratar da relação ao conceito de insumo e a possibilidade da tomada de crédito de PIS/Cofins face às despesas realizadas pelos contribuintes, reconheceu a essencialidade e a relevância dos serviços portuários tanto no momento de entrada ou saída de mercadorias do país, isto é, na etapa inicial ou final de produção. Isso porque a ineficácia dos serviços de armazenamento, embarque e desembarque representaria um óbice à comercialização dos bens produzidos, o que prejudicaria o desempenho da atividade econômica.

Nesse sentido, de acordo com o Ministério da Infraestrutura (Minfra) (Gov, 2024), o Brasil representa expressiva relevância no âmbito do setor portuário mundial, uma vez que detentor de 36 portos públicos organizados (Gov, 2024) e mais de 250 terminais de uso privado (TUPs), cuja administração recai diretamente à União, no caso das Companhias Docas, ou exercida de forma delegada a municípios, estados ou consórcios públicos, sendo sua área delimitada por ato do Poder Executivo, conforme consubstanciado no artigo 2º da Lei nº 12.815/2013.

Segundo consta no relatório de avaliação concorrencial da OCDE, o setor portuário brasileiro é responsável por 98% das exportações do país e mais de 92% das importações em termos de volume, além estar positivamente relacionado com crescimento do PIB. Por esta razão, tais atividades são tidas como indispensáveis catalisadoras do processo de desenvolvimento econômico e social do país, além de fomentar o comércio exterior. É o que se depreende também da correlação do desempenho do setor portuário no plano interno com a melhora de posição do Brasil no ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial dos últimos anos (Gov. 2020).

Considerações finais

Portanto, quanto à exploração dos serviços portuários, tem-se que tais serviços são essenciais por inerência, já que seu fundamento de validade é retirado diretamente do texto da Carta Magna. A sua incidência é atraída automaticamente nesses casos, porque assim foi imposto pelo legislador originário constitucional (Filho, 1997, p. 31). A essencialidade dessa modalidade de serviços é expressa pelo grau de relevância e indispensabilidade à subsistência dos cidadãos, às necessidades inadiáveis da sociedade e à integridade da economia do Brasil, bem como de seu relacionamento com os demais países.


Bibliografia
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 106.
GOV. Brasil avança em ranking mundial de competitividade – Fórum Econômico Mundial.
https://www.gov.br/transportes/pt-br/assuntos/noticias/2020/11/brasil-avanca-em-ranking-mundial-de-competitividade-da-infraestrutura
GOV. Sistema Portuário Nacional. Disponível em:
https://www.gov.br/portos-e-aeroportos/pt-br/assuntos/transporte-aquaviario/sistema-portuario.
JUSTEN FILHO, Maçal. Concessões de Serviços Públicos. São Paulo: Dialética, 1997, p. 31.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 5ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p.172. In. QUADROS, CLÓVIS Airton de; ANTUNES, Leandro Bastos; SANTOS, Marcus Vinícius Freitas dos.
A Delegação de Competências para Arrendamentos de Áreas Operacionais dos Portos Organizados. Disponível em:
 https://www.portosdoparana.pr.gov.br/sites/portos/arquivos_restritos/files/documento/2020-10/artigo_a_delegacao_de_competencias_1.pdf.
OCDE – Relatório de Avaliação Concorrencial da OCDE: Brasil – Setor Portuário, 2022. Disponível em:
https://read.oecd-ilibrary.org/finance-and-investment/relatorios-de-avaliacao-concorrencial-da-ocde-brasil_8d739406-pt#page32, p. 147-149.

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Advogada Marcela Bocayuva será destaque da Brazil Conference em Harvard – Bernadete AlvesMarcela Bocayuva – é advogada, mestre em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub), especialista pela Fundação Escola Nacional do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (FESMPDFT), certificada em Liderança e Negociação pela Universidade de Harvard, especialista em Direito e Economia pela Universidade de Chicago (Uchicago), estudante visitante na New York University (NYU) e coordenadora da Escola Nacional da Magistratura (ENM).

 

 

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