As minorias chegando para as eleições. Por Aylê-Salassié Quintão
Eleição traz para o cenário cidadãos tidos como residuais: as minorias chegando para as eleições…
A cada eleição, categorias sociais ignoradas emergem da invisibilidade, assumindo seu lugar na sociedade brasileira reconhecidamente multiétnico e pluricultural. Mulheres, negros, deficientes, índios e representantes das novas gerações tecnologizadas e conectadas, promovem um “rapa” pantagruélico nas pretensões políticas, inconfessas, das elites nacionais, hegemônicas. Só mesmo um Antonio Gramsci para explicar o fenômeno.
A Resolução 23.724-23, do Tribunal Superior Eleitoral, instituiu um regime de quotas para concursos públicos, que se estende, vagarosamente, para os direitos de representação política de cidadãos tratados como resíduos identitários. Eles começam a sair da obscuridade reprimida para dar voz e cidadania a seus povos.
Embora o TSE não tenha concluído totalmente o exame e qualificação das candidaturas para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores para as eleições de outubro, já estima-se que os inscritos que se autodeclararam, por exemplo, indígenas, seja superior as 1.721 do pleito anterior, envolvendo o Amazonas, Rondônia, Acre, Pará, Mato grosso, Paraná, e Rio Grande do Sul .
Outra aparente surpresa é o partido de o governo estar quase invisível, nas pesquisas eleitorais da Quaest e Datafolha, para as eleições de outubro nas capitais estaduais. Será? A estratégia de fazer coligações partidárias amplas nos municípios, dando chance para uma das 28 outras agremiações pode resultar numa boa colheita em 2026.
O candidato a prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, vem do PSOL, um dos partidos mais à esquerda no Brasil, apoiado por oito outros, e aparece em primeiro lugar, com 23% das intenções de voto. Empata, entretanto, com Pablo Marçal (PRTB), com 21%, cuja candidatura surge na esteira da “sociedade líquida” da pós-modernidade, emergida das conexões digitais individuais , via internet, empoderada por uma “espiral de silêncio” dentro de um “parlamento digital”, sem configuração formal, e operando nas nuvens, derrubando partidos, candidatos e associações forjadas nos modelos tradicionais da legislação civil e eleitoral.
A candidatura do representante dessa sociedade em São Paulo pulou, meteoricamente, de 5 para 21 por cento, derrubando as intenções de reeleições até do atual prefeito, Ricardo Nunes (19%). Tecnicamente, há um empate entre os três candidatos, mas já é esperado um novo salto de Marçal na próxima pesquisa, se a concorrência não conseguir antes desqualificá-lo junto à Justiça Eleitoral. Assustados, os concorrentes juntaram-se para trabalhar pela cassação prévia do candidato da geração “Z”, plugada em computadores, tablets e celulares, sem compromissos explícitos com a politicagem tradicional e assessorada pela Inteligência Artificial.
Lula prometeu rodar o país atrás dos 28 partidos fazendo coligações, mesmo com a memória vacilando e já tropeçando na governabilidade constitucional. Por sua vez, o TSE registrou, até o final de agosto, mais de 20 candidatos a prefeito municipal com mais de 100 anos. Acima dos 80 anos, autodeclarados, estão registrados candidatos com 87, 88, 96, 98, suspeitos de mais 100 anos. D. Salomé (Podemos), uma vovó saudável distinta de 92 anos, é candidata à prefeitura de Santa Cruz de Palmeiras, em São Paulo. Ainda entre paulistas, no município de Tanabi, d. Zulmira Miziara (96) quer demonstrar suas qualidades políticas adquiridas na militância passada no PCdoB. Supostamente, as portas do TSE estarão abertas para Lula, em 2026, quando ele estará completando 80 anos. O grande impasse poderá vir das minorias ativas e conscientes que estão chegando lentamente lá.
Até o dia 6 de outubro cerca de 460.380 cidadãos haviam pedido registro de sua candidatura a prefeito ou a vereador junto ao Tribunal. Desses, 241.225 foram cadastradas. Dados do TSE, revelaram 4.900 inscritos com algum tipo de deficiência física: 1.277 visuais, 4.434 auditivos, e 113 são autistas. Em 44 cidades, detidos no dia 8 de janeiro de 2023, acusados da invasão do Palácio do Planalto, usando tornozeleiras, disputarão as eleições de outubro.
Para o TSE, acusado quase sempre de alguma parcialidade no exame nos pedidos de registros de candidaturas e no tratamento das apurações, fica mais complicado o trabalho. No processo eleitoral deste ano, cometeu sua primeira impropriedade, ao deixar vazar – não se sabe a intenção – , sem o conhecimento dos candidatos, dados pessoais sensíveis como identidade de gênero, origem racial, convicção religiosa, filiação sindical ou organizações corporativas outras, informações sobre a saúde, a orientação sexual – 3.380 declararam-se gays, lésbicas, transgêneros, bissexuais e pansexuais – e até o CPF.
Tudo se tornou público, durante quatro semanas. Até o dia 28 de agosto dados como esses, estritamente privados, ficaram expostos no tal Interface de Programação de Aplicações (API), do TSE, que permite, com restrições, o acesso a jornalistas e pesquisadores credenciados. Gerou uma nova onda de desconfiança sobre o Tribunal.
Somados, desde a última eleição municipal, chega a R$ 80 bilhões o montante destinado via emendas parlamentares para os prefeitos dos 5.560 municípios brasileiros, e que serviram para alavancar as pretensões de reeleição de 2.873 prefeitos em exercício, alguns dos quais com contas pendentes nos órgãos de fiscalização do Estado. Foram valores (R$ 83 milhões, R$ 25 milhões…) elevados e variáveis destinados a um ou outro município, expondo uma dosimetria assimétrica invisível no destino desses recursos.
Esse dinheiro é sacado do cofre do Tesouro, via o Orçamento da União, rubricado como “emenda parlamentar” – senador e deputado – cujos valores, em sua maior parte, transferidos aos municípios, consequentemente aos prefeitos, pelo modelo “Pix“, em que o político padrinho da remessa faz o saque e a envia pessoalmente, sem a necessidade de dar explicações sobre a sua utilização. O Supremo Tribunal Federal despertou para o processo, considerando-o de “baixa transparência”. Mas ele está ainda presente. É difícil passar por cima das maquininhas trituradoras do dinheiro público.
Estou com o meu amigo André Stump, segundo o qual “ninguém enxerga a próxima geração”, e nem essas minorias adquirindo, conscientemente, a autonomia, deixando para trás a condição de resíduo eleitoral.
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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural, ex-guarda florestal do Parque Nacional de Brasília Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018
Autor, entre outros, de Lanternas Flutuantes:
Português – LANTERNA FLUTUANTES, habitando poeticamente o mundo
Alemão – Schwimmende-laternen-1508 (Ominia Scriptum, Alemanha)
Inglês – Floating Lanterns
Polonês – Pływające latarnie – poetycko zamieszkiwać świat
novo livro de Aylê-Salassiê: TERRITÓRIO LIVRE!