Candidatos de hoje e de ontem. Por Adilson Roberto Gonçalves
Eleições e candidatos de hoje e de ontem
O etarismo evidente na substituição de Joe Biden por Kamala Harris nas eleições norte-americanas tem municiado os críticos da possibilidade de reeleição de Lula, em função de sua idade daqui a dois anos. Os jornalões começaram perguntado se deveria haver limite de idade para ser presidente, cuja resposta é não. O argumento que fazem se baseia numa suposta diminuição da capacidade mental. Sanidade não é exclusiva da idade. Já tivemos um presidente, expulso do Exército, de 65 anos, que se demonstrou louco o suficiente para levar à morte milhares de pessoas devido ao negacionismo científico. Acho que durante o exercício do cargo – e isso serve para qualquer função eleita – deveriam, sim, fazer check-ups periódicos para mostrar que tudo está bem.
Em relação à candidatura de Kamala Harris, decisão acertada dos Democratas dos Estados Unidos, surpreendi-me ao, pela primeira vez, concordar 90% com um artigo da economista Deirdre McCloskey na Folha de S. Paulo em que vaticina que “ela [Kamala] vencerá em novembro”, ainda que eu não compartilhe, ainda, da certeza absoluta de vitória da democrata. Muito otimismo para uma campanha que reinicia agora. Mas que assim seja.
No entanto – e aí vem os 10% da discordância – a economista confunde as bolas, pois Jair Bolsonaro é, sim, um criminoso (não apenas “queria ser”, como ela escreve no texto), tanto hoje pela tentativa de golpe, roubo de joias e morte de milhares de brasileiros pela covid, repito, quanto ontem pelos planos de explodir o sistema de água de Guandu. Além disso, Lula – que ela desdenhou em relação aos processos – é inocente até que alguém consiga provar o contrário, o que ficou difícil, com processos baseados em convicções, e não provas, de promotor já escorraçado do meio político.
Pergunto-me se Deirdre McCloskey pensa exatamente o que escreve e o quanto pode estar sendo perdido na tradução de seus textos. Ela quer mostrar que apoia Kamala Harris nas eleições norte-americanas vindouras, mas só a critica em tudo o que a democrata propõe. Em outro artigo, ela faz um contraponto com advogados, endeusando economistas. Parafraseando o que ela disse, antes de ouvir advogados e economistas, ouça as pessoas.
No Brasil, a situação não é muito diferente. A mediocridade e o criminoso como modelos da extrema direita não são invenções nossas, mas é aqui, e na maior cidade do país, que seus efeitos estão sendo sentidos diretamente. Não impedirão Pablo Marçal, como não impediram até agora Jair Bolsonaro, de livremente fazer apologia de crimes contra a democracia, do uso do poder econômico para auferir vantagens pessoais por meio da coisa pública e uma série de outros, que até são apurados, mas, por excesso de provas, faltam convicções para quem deveria julgar e condenar. Mesmo que o candidato do PRTB tenha seu registro devidamente cassado, o estrago já está feito.
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– Adilson Roberto Gonçalves – pesquisador da Universidade Estadual Paulista, Unesp, membro de várias instituições culturais do interior paulista. Vive em Campinas.