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Será o irmão de Caim? Blog Mário Marinho

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Lá pelo saudoso, longínquo e histórico ano de 1968, eu, recém-chegado de Belo Horizonte para o Jornal da Tarde, fui ao Pacaembu cobrir um jogo. Estava acompanhado da jovem repórter Helena Manieri, que, na redação chamávamos de Heleninha.

O Jornal da Tarde adorava pautas diferentes e a Heleninha, que não manjava bulhufas de futebol, fora pautada para fazer uma matéria externando sua visão feminina do espetáculo.

Depois de entrar no Estádio, nos dirigimos, naturalmente, para a cabine de Imprensa que era o espaço reservado para associados e credenciados da Aceesp – Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo.

Para nossa surpresa e estupefação, Heleninha foi barrada.

Como? Quis saber indignado. Ela estava com credencial do jornal e acompanhada de um jornalista com credencial do jornal e da Aceesp.

Não teve jeito. Como o jogo estava para começar, levei a Heleninha até uma cabine de rádio, onde foi bem recebida, e voltei à cabine da Aceesp e quis saber por que ela não poderia entrar.

O porteiro, que, se não me engano, chamava sr. José, amável e calmamente me explicou:

– Não pode entrar mulher porque o torcedor vai achar que o repórter ao invés de trabalhar está namorando.

Era esse, literalmente, o motivo do amável seu José.

Anos e anos depois, quando o homem já foi e voltou à Lua, fez até pic-nic por lá; inventou os transplantes de coração e de outros órgãos; coloriu a televisão que assistíamos em preto e branco com imagem horrorosa; o Brasil se tornou pentacampeão do Mundo, num mundo de futebol que até já dominamos, eis que uma jornalista no exercício de sua profissão, volta a ser desrespeitada, lembrando-nos que ainda não somos assim tão civilizados.

E desrespeitada por quem? Pelo bíblico Abel.

Ele que veio de longe, atravessou o oceano, sentou praça aqui em São Paulo regiamente pago pelo Palmeiras e, em contrapartida, deu um monte de títulos ao Verdão, é idolatrado por seu torcedor mas, parece, ainda ter um pé nas cavernas.

Em campo, à beira do gramado, não consegue ter um comportamento adequado, civilizado. Ao contrário, é cheio de faniquitos, de não-me-toques e outro dia se indignou com um juiz que expulsou só porque ele agarrou a genitália (a própria) e sacudiu-a como se empunhasse uma arma mortífera pronta para atingir seus desafetos. E entre esses desafetos mortais está, claro, a Imprensa.

Sabe-se que, após os jogos, até por força de contrato, o técnico e mais um juiz têm que comparecer à entrevista coletiva.

Comparecer sim, mas ninguém é obrigado a responder a perguntas que não queira.

Após a goleada homérica sobre o Cuiabá, 5 a 0, lá estava ele na sala de entrevistas.

Quem participa ou já participou dessas entrevistas, sabe que é muito comum, depois de uma derrota, encontrar o entrevistado de maus bofes. Mas, depois de uma goleada esperam-se sorrisos.

Pois a repórter Alinne Faneli no seu dever de perguntar, dirigiu-se a Abel.

– O senhor poderia nos atualizar da situação do Mayke que saiu de campo machucado e chorando?

Pois Abel Ferreira tomou-se de brilho, sentiu-se ofendido, arregalou os olhos e respondeu:

– Eu só tenho que dar satisfação a três mulheres: minha mãe, minha mulher e à presidente do Palmeiras, senhora Leila.

Não dá para entender aqui onde está a ofensa que fez Abel ficar tão furioso, a ponto de uma resposta tão machista.

Pois no começo deste ano, no dia 17 de janeiro, a presidente do Palmeiras, Leila Pereira, convocou entrevista coletiva nas dependências do Palmeiras, com um detalhe único: só foram convidadas jornalistas mulheres.

Veja o que ela disse na ocasião:

– É um prazer imenso estar aqui com vocês neste dia que, sem sombra de dúvidas, é histórico para nós, mulheres. Não conheço nenhum caso no mundo de uma entrevista coletiva formada somente por mulheres. Quando tivemos esta ideia, nós divulgamos e, por incrível que pareça, ouvi muitas perguntas: ‘Por que só mulheres?’. O que eu digo aos homens é que não sejam histéricos (risos). Não é isso que dizem da gente? Nós não somos histéricas, só queremos que eles sintam o que nós, mulheres, sentimos desde que nascemos, declarou Leila no discurso de abertura do evento.

Pois é, dona Leila, e as mulheres continuam sofrendo discriminações. Menos três.

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Mário Marinho – É jornalista. É mineiro. Especializado em jornalismo esportivo, foi FOTO SOFIA MARINHOdurante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.

(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)

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3 thoughts on “Será o irmão de Caim? Blog Mário Marinho

  1. Não sei se entendi, discriminar mulheres, impedir sua entrada é errado, criticável, com o que concordo, mas proibir homens de participar de uma coletiva é engraçado? É isso mesmo?

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