São Paulo, já impraticável. Pode piorar. Por Marli Gonçalves
São Paulo corre mais perigo. Respirar, ver, ouvir, andar, morrer. Respirar ofegante com tanta poluição, ar seco; ver a desgraça e a miséria em cada esquina; e ouvir que um candidato à Prefeitura surgiu do buraco mais profundo e avança e que haja tantos que ainda não saibam ou entendam o perigo que a sua falsidade e ignorância representa. São Paulo pode ficar ainda mais impraticável.
Falo da cidade. Pode ficar pior ainda. Uma das maiores cidades do mundo, São Paulo, cantada em verso e prosa como desenvolvida, rica, contemporânea, moderna, virou propaganda enganosa e caminha rapidamente para se tornar completamente impraticável, mais do que já está em seu árido cotidiano. Aqui temos sentido as mudanças climáticas de forma monstruosa, na poluição que chega a formar visíveis riscos no horizonte, mostrando crepúsculos de avermelhados tons infernais. A miséria se espalha nas ruas, e ela é muito além de qualquer Cracolândia que possa ainda ser descrita. Violência no dia a dia, além de bandidos, na saúde, no transporte coletivo, nos preços, nas dificuldades diárias de seus habitantes em tudo.
Nesses últimos dias há sobretudo uma densa névoa que antecipa – como se quisesse servir como sinal de alerta – sobre um futuro ainda mais tenebroso sem medidas adequadas, se não houver o controle e não forem difundidas – e que cheguem a todos – as informações sobre o farsante que se candidata oculto sob um boné. Metido a esperto, cheio de processos numa vida pregressa que o tornou milionário como coach, o tal Pablo Marçal. Comprovadamente ligado a gentes e organizações criminosas, exemplo dos riscos da vida digital, resultado das constantes tentativas de destruição do jornalismo sério trocado por dancinhas, mensageiro do conservadorismo de costumes que eles próprios não seguem, intitulando-se de direita e ultrapassando qualquer limite da razão. Influenciadores e influenciados de um mundo irreal que tentam ultrapassar a fronteira se tornando real, dominante. O famoso dinheiro espalhado nos caminhos. O machinho alfa e seus companheirinhos.
Está difícil respirar o ar cheio de pó de construções que sobem céleres em todas as esquinas de todos os bairros, desenfreadas e visivelmente não fiscalizadas – ora, depois conseguem anistias de suas malfeitorias – e que abriram espaço destruindo a memória, as vilas, casas, tampando a luz do Sol, e ainda numa barulheira infernal. Poluição sonora, esse horror para o qual nunca se dá devida atenção e que nos deixa dia a dia mais estressados, surdos, doentes.
Fotografou? Não. Mas vi. Não há foto para mostrar. A dignidade deles vale mais, acredite em mim. Na calçada um homem dorme dentro de um daqueles plásticos usados para abrigar cuidadosamente sem amassar, nos cabides, vestidos de luxo, longos, vestidos de noivas, que ele deve ter achado jogado no lixo de uma das tais áreas nobres, todas devastadas, perdendo “nobreza” a cada dia. Pensei na sua criatividade, ali dentro, quentinho, abrigado, inspirado talvez naqueles sacos que embrulham defuntos. De qualquer forma, uma “casa” fácil de ser recolhida, mais leve do que uma barraca. A senhora muito velha diariamente largada, sentada em uma das principais ruas dos Jardins, segura um velho e desfiado chapéu de palha nas mãos, e, silenciosa, clama por ajuda, apenas com forças para agitá-lo. Seu rosto traduz, mais do que as suas necessidades, sua vida e abandono.
Por favor, atenção, as eleições estão bem próximas, pouco mais de um mês. Essas, municipais, prefeito, vereadores, são as mais importantes para mudar o que nos cerca, nossa cidade, os impostos que pagamos com tanta dificuldade.
Estamos em mais uma emergência: de bom senso e civilidade.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.
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Os governantes – a maioria péssima – dizem que a narrativa sobre o Brasil é sempre ruim, que o que lemos e ouvimos não espelha a agradável realidade em que vive o país e seu povo.
A verdade é que estamos vivendo em um país cheio de corrupção, com muita violência urbana e insegurança generalizada e profunda em algumas das cidades mais perigosas do mundo.
Os políticos fingem trabalhar para desenvolver esta terra e para proteger e dar bem-estar socioeconômico à população.
Para quando o fim desse suplício?
Quando vão entender que o “mundo é uma aldeia” não é uma figura de linguagem mas um fato palpável, muito palpável? Fogo no vizinho torna a minha casa inabitável, um mal governo no vizinho faz com que fujam pessoas transportando doenças para minha esquina. Quando escolhemos mal não apenas nos condenamos, e a nossos conteporâneos, a sofrerem mas condenamos a gerações seguintes, e se ainda cedemos o segundo presente de Deus o Livre Arbítrio, que apenas aos humanos foi cedido, ao escolhermos o lída, entramos em grave Pecado, nada menos aquele que Jesus se sarificou para nos redimir, e o sofrimento é anida maior.
Marli, esta questão que você está levantando é chave para a nossa pretensa entrada na pós-modernidade. Não sabemos do que se trata – engolimos sapos com ares de sabedoria -, e vamos topando com transgressões sociais sistemáticas atravessando as condições humanas e humanitárias na vida de quem classificamos, oportunamente, de sujeitos, bem como na história , como se fossem coisas que emergem naturalmente , e vão se desenvolvendo diante da nossa ignorância coletiva. Com isso, somos levados a acreditar que “o homem é mau”, como dizia Hobbes: animal, aparentemente domesticado, tem sua existência induzida , primeiramente, pelo instinto de sobrevivência, que se esconde atrás da ideia da superioridade do humano por ter desenvolvido a “consciência” e o “raciocínio lógico”: o que é isso?! … A essa configuração existencial somam ainda características doentias particulares como a vaidade, o poder e a maldade, sem quaisquer compromissos com a sociedade iludida na sua organização pela religião e pelas leis, todas incorporando uma carga enorme de ambiguidades. Nossa ignorância é secular. Hobbes reconheceu esse perfil no homem há mais de 500 anos. Rousseau tentou contrariá-lo afirmando que o “homem é bom na sua natureza”. Ora, a França está entre os precursores da guilhotina, instituto que expôs claramente o reconhecimento do descompromisso com essa tal de “humanidade” existencial.
Tem razão, mestre! Obrigada pelo comentário,sempre especial e de conhecimento