Silvio Santos, o rap e o rapa. Por Paulo Renato Coelho Netto
… Estivesse começando hoje sua jornada, em agosto de 2024, o adolescente Silvio Santos estaria inserido na categoria de trabalhador informal (38,9 milhões), quantidade maior que o de formais (38 milhões) no Brasil…
Sábado passado, 17 de agosto, o Brasil acordou com a notícia da morte de Silvio Santos. Entre as centenas de facetas do homem que fez história na comunicação, o início da sua vida profissional como camelô, aos 14 anos, no Rio de Janeiro, não poderia ficar de fora.
Estivesse começando hoje sua jornada, em agosto de 2024, o adolescente Silvio Santos estaria inserido na categoria de trabalhador informal (38,9 milhões), quantidade maior que o de formais (38 milhões) no Brasil.
Muito provavelmente, o jovem camelô teria de negociar com a milícia – dona da área de atuação – um valor para poder trabalhar no centro da capital carioca.
Sabe-se que a anuência dos milicianos é o básico para que milhares de comerciantes consigam abrir as portas no Rio de Janeiro.
Os criminosos cobram do empresário pelo direito de ganhar a vida honestamente, o mesmo empreendedor que paga impostos para que o Estado garanta a segurança pública.
Como vendedor autônomo, Silvio Santos aprenderia em agosto de 2024 que o Brasil não é para amadores. O jogo é bruto.
Ele também precisaria vender suas canetinhas sobre um manto de pano, preparado para virar uma providencial sacola para fugir do rapa, como chamam os fiscais da prefeitura.
Se esgueirando entre o rapa e a milícia, o Estado e o crime, o adolescente provavelmente atrairia o público dançando e cantando rap, com letras compostas de improviso por ele mesmo, o rapper Brava.
Ainda assim, continuaria sendo um trabalhador informal, eufemismo para quem faz bico para sobreviver no Brasil.
A informalidade é responsável por 38,9% da população ocupada no país, segundo a PNAD Contínua, divulgada pelo IBGE para o 1º trimestre de 2024.
Os informais são aqueles que trabalham durante o dia para garantir a janta.
Camelôs, pintores, ambulantes, motoboys, motoristas de aplicativo, garçons, feirantes, diaristas, pedreiros, vendedores, catadores de recicláveis, freelancers, ajudantes de motoristas, lavadores de carro, diaristas e babás.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) define que desemprego se refere às pessoas com idade para trabalhar que não estão trabalhando, mas estão disponíveis e tentam encontrar trabalho.
O trabalhador informal é também o brasileiro que levanta da cama de madrugada para vender café, salgado, bolo em fatias e pão de queijo nas entradas de estações de metrô e fábricas.
Que vende chapéu de tecido, redes, óculos do Paraguai e biscoito nas praias.
São os sacoleiros, exército que movimenta bilhões por ano pelas pontes da amizade e rodovias brasileiras.
São praticamente 39 milhões de compatriotas que vivem a realidade que lhes é imposta por quem não compreende minimamente o que é real neste país.
Falta-lhes empatia, para dizer o mínimo.
De um lado, quase 39 milhões de brasileiros matando cachorro a grito para viver mais um dia.
Do outro, mordomias ilimitadas, jatinhos, aviões que comportam numerosas comitivas para viagens internas e para o exterior, hotéis cinco estrelas, palácios, banquetes, cartões corporativos, passagens de primeira classe, seguranças, congressos e convenções em resorts, carros blindados e ar-condicionado sem se importar com a conta da energia elétrica no fim do mês.
Tudo do bom e do melhor.
Enquanto a turma da corte se refestela com lagostas e vinhos selecionados, o lado que paga o banquete que se vire como puder.
Novidade zero.
A base econômica e cultural deste país foi erguida sobre a cultura da escravidão. Há mais de cinco séculos a turma da casa grande é chegada numa mordomia, sem se preocupar minimamente com quem corta e carrega a cana-de-açúcar nas costas.
Raros escapam da senzala.
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Instagram: @paulorenatocoelhonetto
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Paulo Renato Coelho Netto – é jornalista, pós-graduado em Marketing. Tem reportagens publicadas nas Revistas Piauí, Época e Veja digital; nos sites UOL/Piauí/Folha de S.Paulo, O GLOBO, CLAUDIA/Abril, Observatório da Imprensa e VICE Brasil. Foi repórter nos jornais Gazeta Mercantil e Diário do Grande ABC. É autor de sete livros, entre os quais biografias e “2020 O Ano Que Não Existiu – A Pandemia de verde e amarelo”. Vive em Campo Grande.
O Brasil não é para amadores nem profissionais; por acaso conhecem quem no mundo tenha maior experiência de varejo que o Wallmart? Pois é, desistiu do Brasil.