Vai chover carro em 2025. Por Paulo Renato Coelho Netto
… Vai chover carro em 2025, para quem tiver dinheiro. Prepare seu guarda-chuva ou dance e se regozije como Fred Astaire sob a tempestade de ofertas…
Automóveis disputam vendas entre poderosas fabricantes mundiais. Briga de cachorro grande. Neste universo multibilionário não existe espaço para amadores.
De acordo com o Grupo Forbes, a japonesa Toyota manteve-se pelo quarto ano seguido como a montadora recorde de vendas anuais no mundo, com 11,2 milhões de veículos entregues em 2023.
A alemã Volkswagen é a segunda colocada, com aumento de 12% nas vendas em relação ao ano passado, atingindo 9,2 milhões de veículos vendidos.
No ano que vem assistiremos à invasão de carros chineses no Brasil.
Quanto mais ofertas, melhor.
Na guerra pelo consumidor, o brasileiro será disputado por indústrias do Japão, Reino Unido, Alemanha, Estados Unidos, França, Coreia do Sul, Itália e China.
Cada país tem várias marcas que concorrem entre si.
Vai chover carro em 2025, para quem tiver dinheiro.
Prepare seu guarda-chuva ou dance e se regozije como Fred Astaire sob a tempestade de ofertas.
Essa briga toda passa pelo preço, marketing, garantia, assistência técnica e vai afunilando até chegar na loja da sua cidade.
É ali o glamoroso campo de batalha.
Cada concessionária tem metas mensais. Chova pedra ou faça sol, limites devem ser atingidos e superados. Ingenuidade pensar, ou nunca ter imaginado, que um profissional que vende carros caiu ali por acaso. Ele é muito bem treinado para fazer o que faz e participa de cursos a cada lançamento de um modelo.
Portanto, não é um lugar para se chegar sem informações.
Tudo é montado para encantar o comprador na concessionária, da climatização à água aromatizada com hortelã, caixas com dezenas de opções de chás, café e cappuccino cremoso.
Escadas de mármore na entrada. No ar o suave cheiro de limpeza feita antes da loja abrir. A iluminação estudada, perfeita, no amplo pé-direito duplo. A música ambiente discreta para não chamar a atenção.
Na concessionária, o vendedor uniformizado segue um roteiro para que você saia de lá dirigindo o automóvel que viu na propaganda.
Para começar ele te leva para a frente do carro. É por ali que o show inicia.
O vendedor não vai te mostrar primeiro o porta-malas e muito menos o interior do veículo.
Mesmo que você pergunte algo fora do roteiro, educadamente ele vai dar uma resposta breve e te reposicionar ao ponto de partida.
Visto de frente o automóvel reluz, zero quilômetro, limpo, lavado, polido, brilhando em grau máximo de sedução.
É a sereia encantada sorrindo para o marujo.
A ideia é fazer com que seu cérebro entenda que o valor exorbitante do bem é apenas um detalhe.
É fazer você sequer imaginar que vai pagar em real o que é precificado em dólar. Que boa parte do alto custo dos carros deve-se aos impostos que se praticam no Brasil, que nunca diminuem, independente do governo de plantão.
No tour você passeia conforme o vendedor foi treinado para fechar a venda. E o tempo dele é cronometrado.
Neste período ele vai colher mais informações suas que você do automóvel, se o profissional for bom no que faz.
Ele vai contra-atacar com a delicadeza de uma bailarina e a precisão de um neurocirurgião se perceber a menor dúvida de sua parte em desistir da compra.
A marca que ele vende é sempre melhor que a do concorrente. Se, no mês seguinte, ele mudar de trabalho para outro fabricante, a opinião precisa mudar junto.
É assim que a roda da indústria automobilística gira.
Feitas as apresentações externas, o comprador será convidado para se sentar no banco do motorista.
Ali, no trono do rei, vai sentir aquele cheiro de carro zero capaz de deixar tonto o comprador mais sovina.
O coração vai bater forte.
Dali em diante, geralmente, ele sairá com menos dinheiro que entrou na concessionária.
Há alguns anos, bancos de couro eram a cereja do bolo nos carros.
Depois, o foco passou para os airbags. Depois para a quantidade de airbags.
Hoje os vendedores encerram o espetáculo falando sobre a tecnologia embarcada.
Ressaltam a redução das emissões de gases poluentes, a integração total dos veículos à internet e o aprimoramento da segurança.
Tecnologias como assistência de estacionamento e frenagem automática, controladas por sensores e computadores.
No test drive já era. Essa fase é meramente formal. Ali você já se casou e está saindo de braços dados com a noiva, com todo mundo rindo na igreja para você.
O vendedor só vai passar os eventuais pontos delicados do carro depois de se certificar que, de mero curioso, você é um comprador.
Só então ele abordará o IPVA e quanto custa o seguro, entre outros.
No mais, é o conceito que você paga por este bem, à vista ou até em 60 prestações.
Ele não vende automóvel. Vende emoção.
Da forma como fomos catequizados pelos donos do mundo, o que era para ser meio de transporte é sinônimo de felicidade, status, posição social, respeito, virilidade, poder, sucesso e até de autoestima para quem anda com o amor próprio em baixa.
É como se um automóvel pudesse dar altura aos baixinhos, charme e elegância aos desengonçados e cabelos aos carecas.
E você sai da concessionária feliz.
O único e pequeno detalhe é onde vão caber tantos carros em um futuro próximo, sendo que as ruas ainda serão as mesmas.
Mas quem disse que alguém está preocupado com o futuro no Brasil?
Quando os carros não conseguirem mais sair das garagens, quem sabe começaremos a discutir a melhoria e expansão do transporte público neste país.
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Instagram: @paulorenatocoelhonetto
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Paulo Renato Coelho Netto – é jornalista, pós-graduado em Marketing. Tem reportagens publicadas nas Revistas Piauí, Época e Veja digital; nos sites UOL/Piauí/Folha de S.Paulo, O GLOBO, CLAUDIA/Abril, Observatório da Imprensa e VICE Brasil. Foi repórter nos jornais Gazeta Mercantil e Diário do Grande ABC. É autor de sete livros, entre os quais biografias e “2020 O Ano Que Não Existiu – A Pandemia de verde e amarelo”. Vive em Campo Grande.
Em 1945 a Coreia sequer tinha escolas, hoje tem indústrias automobilísticas, não montadoras; o Japão exportava japoneses, muitos para o Brasil, a indústria automobilística da época era completamente incipiente. Quantas indústrias automobilísticas tem o Brasil hoje? Quantas a Coreia? E o Japão?
Grato pelo comentário, José Arthur. Como coloquei no fim do artigo, “quem disse que alguém está preocupado com o futuro no Brasil?”