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Metamorphose by Brenda Erickson
Metamorfose ambulante. Por José Horta Manzano
… a metamorfose operou. Segundo os jornais de hoje, Luiz Inácio admitiu que o povo venezuelano vive sob regime autoritário, mas não ditatorial. Considere-se que estamos falando do mesmo povo, do mesmo regime e, pra coroar, do mesmo dirigente…
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Se alguém tivesse dito que Lula era uma “metamorfose ambulante”, teria sido imediatamente acusado de crime de ódio e talvez tomasse até um processo. Mas foi ele mesmo, Luiz Inácio, quem se qualificou assim. Portanto, quem achar que o presidente está se comportando feito biruta de aeroporto, que vá em frente e use a expressão. O termo está liberado.
Alguns anos atrás, Lula defendeu o regime bolivariano dizendo que “lá tem democracia até demais”. Referia-se ao fato de, segundo ele, o povo vizinho votar com mais frequência que os brasileiros.
Nesse meio tempo, a metamorfose operou. Segundo os jornais de hoje, Luiz Inácio admitiu que o povo venezuelano vive sob regime autoritário, mas não ditatorial. Considere-se que estamos falando do mesmo povo, do mesmo regime e, pra coroar, do mesmo dirigente.
Se isso não é comportamento metamorfótico, não sei o que será.
Um ponto me chama a atenção no tratamento que o Brasil e o mundo estão dando ao que ocorre na Venezuela.
Faz décadas que o regime autoritário se instalou. Se parecia manso no princípio, foi endurecendo com o tempo até chegar ao ponto em que está hoje, a um passo da ditadura ao estilo russo.
Em tempos normais, o drama venezuelano tem sido tratado pelo governo brasileiro como um não acontecimento. É como se a Venezuela não existisse. Não fosse o afluxo de centenas de milhares de venezuelanos famintos e desesperados, o silêncio sobre nosso vizinho do norte seria total.
De repente, em consequência das eleições (das quais todo o mundo sabia que Maduro sairia vencedor), a Venezuela entrou no noticiário. Já se passaram quase três semanas e Caracas continua no foco dos holofotes.
O que chama minha atenção é o contraste entre o olhar intenso que lançamos sobre nossos vizinhos agora, com relação ao descaso que lhes dedicamos em tempos normais.
Me parece que, longe do período eleitoral, teria sido o momento de agir, conversar, combinar e, principalmente, avisar o ditador venezuelano que o Brasil não toleraria eleições fraudadas. Acredito que um aviso prévio nesse sentido teria sido mais eficaz que toda a atual gritaria mundial, com pressões daqui e dali, e com sugestões incômodas e ofensivas para Maduro e seu desafiante, como essa história maluca de novas eleições.
A diplomacia brasileira bobeou nessa matéria. Ou, quem sabe, não bobeou não, simplesmente deu a entender ao vizinho ditador que o Brasil estava disposto a apoiá-lo nas eleições. Em seguida, diante do escândalo internacional, enfiamos o rabo no meio das pernas.
Quando se lida com um personagem metamorfótico, poder-se-á esperar dele tudo.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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