jogo de dados

… Esse sistema, a que os ingleses chamam “Trial and error”, foi idealizado no século 19 por um cavalheiro chamado C. Lloyd Morgan. Consiste em tentar repetidamente até que dê certo. Funciona em campos específicos, como em jogo de dados por exemplo…

jogo de dados

Joãozinho queria um dadinho de jogar. Os pais, solícitos, logo compraram um. Veio com copinho e tudo, uma graça. Depois do jantar, foram brincar de Banco Imobiliário. (Não sei se criança ainda se diverte com esse jogo – Joãozinho se encanta.)

A certa altura da brincadeira, o menino queria cair na casa da Avenida Paulista, que era o imóvel mais caro do jogo. Faltavam três casas, e ele tinha de tirar 3 no dado. Jogou. Saiu o 2.

– Mas eu queria o 3!

– Não tem importância, João. Joga outra vez.

Saiu o 5.

– Mais uma vez, menino! Agora sai, você vai ver.

Saiu o 4.

– Tá esquentando, João. Só mais uma e você vai ver que acerta.

Saiu o 3! A família aplaudiu, o garoto ficou feliz e o ambiente se desanuviou.

Esse sistema, a que os ingleses chamam “Trial and error”, foi idealizado no século 19 por um cavalheiro chamado C. Lloyd Morgan. Consiste em tentar repetidamente até que dê certo. Funciona em campos específicos, como em jogo de dados por exemplo. Já em política eleitoral, seu uso é mais complicado.

Consistiria, por exemplo, em Nicolás Maduro repetir a eleição em seu país, fazendo o povo votar indefinidamente, mais uma vez, mais outra vez, e outra mais, até que o resultado lhe conviesse. Falando assim, parece ridiculamente absurdo. Vosmicê acha? Pois é o que doutor Amorim, nosso chanceler “de facto”, está propondo. A proposta é começar com nova rodada de eleiçôes. Depois, dependendo do resultado, veremos.

Nosso empacado comitê de política externa está a confundir alhos com bugalhos. O voto popular não é fato aleatório como uma lançada de dados. Detrás de cada cédula, está a decisão pessoal do eleitor; detrás do conjunto de cédulas, está o decantado veredicto popular. A vontade nacional.

O dado, que não depende da vontade do jogador, tanto pode cair no 1, no 2 ou em qualquer outro número. Com o voto, não é assim que funciona. A eleição venezuelana de 28 de julho representou, por certo, o anseio do povo naquela data. Mas nada prediz que esse anseio possa ter mudado ou que venha a mudar num futuro próximo.

O problema havido com as eleições não foi erro de apuração – possibilidade, aliás, que ninguém aventou. Falou-se em fraude, não em erro. Portanto, eliminando-se a fraude, nova eleição tenderá a mostrar o mesmo resultado que a contagem extra-oficial revelou desta vez. Que se volte a votar daqui a uma semana, um mês ou mais tarde.

Lula deveria parar de acrescentar confusão à confusão já reinante naquele país. A curto ou médio prazo, seu compadre Maduro está condenado. Terá de deixar o trono por bem ou por mal. Melhor faria a diplomacia brasileira se desse um passo atrás e não se envolvesse tanto com o que se passa em Caracas.

A ideia de mandar lançar de novo os dados só protela o desfecho da novela e arrelia um ambiente que está precisando ser pacificado.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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