Transamazonia, Pia Marais

Locarno, desmatamento e cura divina na Amazônia. Por Rui Martins

cinema Locarno

Desmatamento e cura divina… Transamazônia tem tudo de um filme brasileiro, mas é uma coprodução de diversos países com direção de Pia Marais, nascida na África do Sul e vivendo na Alemanha…

 

Transamazonia (2024) - IMDb

 

Transamazônia tem tudo de um filme brasileiro, mas é uma coprodução de diversos países com direção de Pia Marais, nascida na África do Sul e vivendo na Alemanha. A história levou alguns anos para ser escrita, mas, como conta Pia Marais, a inspiração veio ao ler um livro no qual se contava a história de uma senhora sobrevivente da queda de um avião na floresta amazônica, onde se aproximou dos indígenas e com eles encontrou o prazer e a vontade de viver.

Para completar o cenário e criar condições para a filmagem, Pia Marais precisou viver um tempo no Estado do Pará, numa pequena cidade fronteiriça com uma reserva indígena. Para fazer o filme, contou com atores profissionais, atores brasileiros e indígenas locais. As filmagens eram muito difíceis porque a reserva é praticamente cortada pelo meio por uma estrada, utilizada pelos madeireiros para o transporte dos troncos das árvores por eles derrubadas, além do calor reinante com o qual ela e os atores tiveram de aprender a conviver.

Com relação ao desmatamento, Pia Marais observou haver, além dos madeireiros, uma prática cotidiana da população, cujos habitantes entram diariamente na floresta com bicicletas e motos a fim de buscar madeira para suas necessidades familiares.

Pia Marais transamazonia
Pia Marais

Naquela região, Pia Marais constatou a existência de uns 30 grupos religiosos, a maioria missões norte-americanas também interessadas na conversão dos indígenas. Esses grupos não são registrados e funcionam de uma forma que se poderia considerar ilegal. Como é originária da África do Sul, Pia Marais se lembrou das missões religiosas no seu país agindo da mesma maneira. Embora os religiosos pareçam defender as florestas, existe uma contradição: a conversão dos indígenas para o cristianismo, deixando seu xamanismo natural, faz com que se civilizem e deixem o meio natural onde vivem, deixando de ser seus protetores.

A figura central do filme é Rebeca, uma jovem loura, que escapara de um acidente de avião na floresta, salva por um indígena é considerada filha do pastor americano da missão evangélica local. Considerada como milagre divino, Rebeca tem o dom de curar os doentes e isso, utilizado pelo pastor como cura divina, traz dinheiro e garante o crescimento da igreja criada pela missão.

O filme documenta a derrubada de árvores enormes e centenárias, mostrando como se processa o desflorestamento da Amazônia, com choques frequentes  entre os madeireiros com os indígenas protetores das florestas onde vivem. As barragens criadas pelos indígenas na estrada e os atos de sabotagem incendiando tratores e motosserras são reprimidos à bala pelos madeireiros invasores e destruidores das florestas, num combate desigual.

Por Rui Martins, convidado pelo Festival de Cinema de Locarno.


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Salve Maria - film review

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DIRETO DA SUIÇA


  • Rui Martins também está em versão sonora no Youtube, em seu canal –

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Rui Martins – Direto da Suiça – é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI

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