Um país entristecido. Por Angelo Castelo Branco
Um país entristecido… medir forças parece ter sido o esporte mais amplamente praticado no sistema político brasileiro, em detrimento da busca pela felicidade do povo e da economia nacional.
Há um quê de melancolia e muita frustração quando a gente liga o retrovisor para os últimos 50 anos da história em nosso país. Sobretudo quando clicamos na alternativa de acesso ao sonho pela democracia, aos direitos humanos e ao nivelamento da nação com a ética.
É provável que esse sentimento possua, inclusive, uma dimensão endêmica no coração dos que dedicaram seus verdes anos em batentes de jornais lutando contra a foça bruta de um sistema alheio aos fundamentos do estado de direito. Estávamos fartos e assustados com repressões, prisões, sequestros, perseguições, sumiços, exílios, agressões pessoais e toda sorte de violência praticada em nome do estado.
O bom senso apontava na direção das nações onde suas civilizações avançavam obstinadamente ao encontro de uma convivência de respeitos recíprocos entre o povo e o estado. Precisávamos abrir caminhos irreversíveis nesse mesmo sentido. Parecia-nos uma utopia distante quando tínhamos o privilégio de acesso os jornais de Paris ou de Londres, ou mesmo caminhar e conversar com colegas jornalistas do lado de cá na parte livre da Alemanha separada pelo muro de Berlim. Ficávamos surpresos com a naturalidade das críticas, apoios e contestações racionalmente formulados a autoridades e instituições, numa dialética absolutamente civilizada e escassamente ofensiva em tons pessoais. Era tudo o que faltava no Brasil.
Naquele momento brasileiro muitos aspirantes à vida pública construíram sua trajetória política e eleitoral com base na luta contra as ditaduras e a violência. Fizeram dessa causa uma bandeira ideológica, utilizando-a para ganhar votos ao se posicionarem fortemente contra os regimes autoritários e as práticas de tortura e repressão. Opção, portanto, digna de respeito e legítima em sua amplitude humanista independentemente de suas gerências ideológicas. Esquerda e direita estariam irredutivelmente comprometidas com esses pétreos princípios. Especialmente por perseguirem valores democráticos sólidos que nunca nos foram estáveis.
Desligando o retrovisor para focar o Brasil de 2024 vimos que muitos dos ideais afastaram-se ainda mais daquela sonhada utopia. Dá-nos a impressão de que os propósitos humanitários e civilizatórios que tanto nos mobilizaram foram utilizados apenas como uma ferramenta eleitoral sem um compromisso genuíno. Elegemos alternativas que nos pareciam adequadas a conduzir a nação segundo os fundamentos democráticos transparentes e equilibrados, mas o que estamos assistindo é a reedição revista e atualizada da infelicidade e perplexidade coletiva.
Prisões, perseguições, insultos a grosso e a varejo, exílios, obstruções e má condução no trabalho do poder legislativo, decisões judiciais monocráticas de graves repercussões no âmbito da vida privada e de famílias, gastos públicos fora de controle, falências de estatais, política externa polêmica, e muitas outras mazelas.
Há meio século muitos demos a mão para promover e eleger pessoas que nos livrariam de todos esses males. Mas, paradoxalmente, têm se mostrado apenas apegados ao poder e indiferentes aos compromissos basilares que aparentavam agregar. Até parece que o tempo não andou no contexto das nossas relações com um estado cujos governos seguem decretando até mesmo sigilos impensáveis de seus atos, sabe-se lá porquê. O espírito de corpo de instituições fere muitas vezes os interesses republicanos sem que a sociedade tenha voz assegurada para conter os excessos.
Em sua obra O Contrato Social, o filósofo Jean-Jacques Rousseau adverte que “o mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o senhor, se não transformar a força em direito, e a obediência em dever.” Essa frase critica a manipulação da força ou do poder para justificar a dominação, que muitas vezes é mascarada por falsas concepções ou justificativas para enganar o povo e manter o controle. Ou seja, a força bruta não pode servir como fundamento legítimo para a autoridade política. E medir forças parece ter sido o esporte mais amplamente praticado no sistema político brasileiro, em detrimento da busca pela felicidade do povo e da economia nacional.
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Angelo Castelo Branco – Jornalista. Autor de O Artífice do Entendimento – biografia do ex-vice-presidente Marco Maciel. Recifense, advogado formado pela Universidade Católica de Pernambuco. Membro da Academia Pernambucana de Letras. Com passagens pelo Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Diário de Pernambuco, Folha de S. Paulo e Gazeta Mercantil, como editor, repórter e colunista de Política.
Caro Ângelo , parabéns . A oposição de outrora perdeu seu ideário nobre e foi além da direita no trato do patrimônio público : locupletou-se. Levaremos décadas no caminho da recuperação . 😡😡🥵🥵🥵☘️☘️☘️