Mar Coll - Cineasta, surpresa em Locarno

Maternidade é thriller e cria suspense em Locarno. Por Rui Martins

cinema Locarno

O filme deve ser entendido como uma provocação ao tema da maternidade instintiva, considerada tabu, pelo qual todas as mulheres são feitas para serem mães…

 

Mar Coll | Maternidade
Mar Coll

A cineasta catalã Mar Coll, considerada a mãe do cinema novo catalão, baseada num livro da escritora basca Katixa Aguirre, As Mães Não (Las Madres No), provoca tensão, angústia e mesmo revolta no público, em especial os pais e mães, com o filme Salve Maria, mostrando o considerado pecado maior – o da mãe que rejeita seu recém-nascido a ponto de desejar que ele morra.

Tanto o livro como o filme se baseiam no infanticídio cometido por uma mãe francesa afogando seus filhos gêmeos de dez meses. Mas Mar Coll foi além, transformou seu filme num thriller capaz de fazer os espectadores prenderem a respiração e se remexerem nos seus lugares.

Na narrativa da personagem Maria, jovem mãe com um começo de sucesso como escritora e com uma depressão pó-parto, na qual detesta amamentar e ignora o filho, fica sempre presente o risco de chegar ao extremo de matá-lo. Maria parece obcecada com o relato da matricida francesa, noticiado com destaque pela imprensa, a ponto de procurar encontrá-la pessoalmente a fim de saber quais sentimentos a tinham impulsionado ao crime.

maternidade
Cena de Salve Maria

Teria Maria também o mesmo impulso ou agia em busca da redação de um livro, prioritário às suas obrigações de mãe?

O filme deve ser entendido como uma provocação ao tema da maternidade instintiva, considerada tabu, pelo qual todas as mulheres são feitas para serem mães, dentro das novas interpretações do ser mulher pelo feminismo pelo qual a maternidade é cultural, em ruptura com a sacralização da maternidade por todas religiões. O livro de Katixa Aguirre trata dessa questão na visão de Doris Lessing e Sylvia Plath.

A cineasta Mar Coll conta ter se interessado pelo livro de Katixa Aguirre logo depois de ser mãe. E deixa claro que para ela ser mãe foi uma boa experiência, mas entende que pode ser um problema para algumas mulheres. Neste caso, a rejeição do bebê por depressão ou outro problema da mãe precisa ser entendido, diz ela, e não ser tratado de maneira injuriosa, violenta e sujeito a punição.

“Posso dizer que este filme é um manifesto, mas não gosto de pensar que seja um filme de tema, mesmo que esteja em causa um assunto controverso e tabu. É certo que existe ternura, amor, cuidado, etc, na maternidade, mas existem também muitos sentimentos obscuros, dos quais se fala pouco. É nesses sentimentos que o meu filme coloca o foco”.

E como o filme mostra o pai e marido de Maria nessa situação? Ocupado com seu trabalho, acostumado com a imagem tradicional da mãe, ele não vê e não percebe a situação e sua agravação, apenas se preocupa com o fato de Maria não falar com o bebê. Deixa também de tirar férias parentais para ajudar Maria, abreviando o desfecho da crise.

Por Rui Martins, convidado pelo Festival de Cinema de Locarno.


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Salve Maria - film review

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DIRETO DA SUIÇA


  • Rui Martins também está em versão sonora no Youtube, em seu canal –

https://www.youtube.com/@rpertins

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Rui Martins – Direto da Suiça – é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI

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