A maior das devastações. Por Antonio Contente
DEVASTAÇÕES…Alguém instalara sucursal do inferno numa área em que a floresta era não só absolutamente virgem, porém constituída por árvores de madeiras nobres, algumas com centenas de anos…
Naquela manhã de 1976 as coisas corriam normalmente no departamento da Nasa, nos Estados Unidos, que recebia as imagens do satélite Skylab. Súbito o técnico que monitorava as transmissões que vinham do espaço deu um berro:
— Meu Deus do céu!
Mal ecoou pela sala silenciosa o grito macabro, todos se debruçaram sobre a mesa do horrorizado funcionário. Alguns pensando que ele avistara pedra sideral imensa prestes a colidir com a terra. Outros que detectara flotilha de discos voadores preparando-se para ataque. Não se tratava de nada disso, porém: o que o satélite acabara de detectar é que se desenrolava naquele instante, em extensa área da floresta amazônica, no sul do Pará, a maior queimada que os olhos humanos jamais tinham visto.
Não demorou muito os americanos enviaram as imagens medonhas para o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) em São Paulo. Onde os tupiniquins também colocaram as mãos na cabeça. Alguém instalara sucursal do inferno numa área em que a floresta era não só absolutamente virgem, porém constituída por árvores de madeiras nobres, algumas com centenas de anos.
Bom, mas o IBDF (Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal, hoje Ibama) achou que a empresa que cometeu a barbaridade deveria ser multada. E foi, com penalidade jamais aplicada. Até porque, segundo dizem, seria maior do que o empreendimento que estuprava a jungle.
Pois é, isso tudo, que faz parte da tenebrosa história dos desmatamentos na Amazônia, andou sendo relembrado na época, faz tempo, do lançamento de um livro autobiográfico do ex-executivo alemão Wolfgang Sauer, que, durante muitos e muitos anos dirigiu a Wolkswagen em nosso país. Companhia esta responsável por quase matar do coração, já lá se vão 48 anos, os técnicos da Nasa.
Bom, esta parte do desmatamento não aparece bem na obra acima citada, cujo nome é “O Homem Volkswagen – 50 anos de Brasil” (Geração Editorial, 527 páginas). De todo modo, está no cartapácio a maior parte de como a empresa que fabricava e fabrica ótimos carros resolveu investir na Amazônia. Para isso Sauer esteve em 1973 com o ministro Rangel Reis, que deu o aval para o projeto da superfazenda para criação de bois, esperando levar fugitivos da seca nordestina para lá. Mas o que Sauer realmente queria, segundo voz corrente na posteridade, era solidificar seu nome, com o sucesso da criação de bovinos, para chegar à presidência mundial da Volks. A empresa, então, comprou 140 mil hectares, no sul do Pará, para a instalação, num primeiro momento, de 60.000 animais.
O resultado disso tudo foi que o susto do pessoal da Nasa no passado de repente se transferiu para a cúpula da Volks em Berlim quando, em função de queimada talvez nunca igualada até hoje por seres humanos, mobilizou o Partido Verde germânico, atiçando protestos dos ecologistas do mundo inteiro, inclusive do Brasil. O pessoal, em passeatas por inúmeras cidades em vários continentes, começou a berrar que a Volks estava empenhada em destruir a Amazônia e, com isso, segundo afirmavam, “eliminar o oxigênio do planeta”, pois o fogaréu era tudo que o demônio queria para tirar da selva do Norte do Brasil sua condição de “pulmão do mundo”.
Quando os dirigentes da Volks perceberam que a pregação pelo boicote dos seus carros crescia a olhos vistos, trataram de se desvencilhar da fazenda brasileira, o que degenerou em articulações complicadas que levaram o projeto megalomaníaco para o buraco. Era mais um que falhava na Amazônia, como o da Fordlândia que fez Henry Ford rasgar, junto às barrancas do rio Tapajós, nos anos 20, 30 e 40, algo como bem mais de um bilhão de dólares, a valores de hoje.
Voltando ao livro de Wolfgang Sauer. Naturalmente o autor é apresentado como empreendedor de alta estirpe, o que realmente revelou através de suas ações na Volks brasileira. Mas o fato de ter, como diz o vulgo, quebrado a cara no projeto de colocar ruminantes bovinos para mugir, aos invés de construir automóveis, de alguma forma mexeu pelo menos com um pedacinho da sua imagem de eficiência. Mácula, aliás, muito bem posta em artigo do jornalista Lúcio Flávio Pinto, no seu excelente “Jornal Pessoal”, editado em Belém, quando diz em trabalho sobre o tema focalizado nesta crônica: “Talvez o já falecido Wolfgang Sauer tenha sido visionário no polo industrial paulista, o maior do continente. Na selva amazônica ele foi um devastador”.
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ANTONIO CONTENTE –
Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.
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