O viúvo da esposa holográfica. Por Paulo Renato Coelho Netto
VIÚVO… O senhor Kondo, de apenas 41 anos, foi casado com o holograma de sua cantora virtual favorita, Hatsune Miku. As ilusões dele foram reduzidas a pó…
Indiscutivelmente, uma das mais belas canções do Cartola é “O mundo é um moinho”, escrita e gravada em 1976. Um dos versos, diz: Ouça-me bem, amor / Preste atenção, o mundo é um moinho / Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos / Vai reduzir as ilusões a pó.
Fosse Cartola um sambista japonês, nascido no Morro da Mangueira de Tóquio e chegado a uma boa caipirinha de saquê, escreveria o mesmo para Akihiko Kondo.
O senhor Kondo, de apenas 41 anos, foi casado com o holograma de sua cantora virtual favorita, Hatsune Miku.
As ilusões dele foram reduzidas a pó.
Para quem não sabe, os hologramas são imagens tridimensionais geradas por feixes de luz que refletem objetos reais. Apareceram para o grande público pela primeira vez nos filmes Star Wars.
Desde então, muita coisa real se tornou virtual e o virtual real.
Quanto mais avançam as redes sociais, maior a indiferença e o distanciamento entre nós, solitários seres humanos.
Quantas famílias deterioradas que se vendem como perfeitas nas redes sociais? Quanta energia desperdiçada para postar conteúdo que não interessa a ninguém?
As redes sociais são o paradoxo do novo milênio. Você só enxerga aquilo que pensa que está vendo mas não vê de fato o que está enxergando.
O senhor Kondo se superou neste aspecto. Saltou várias casinhas no campo cibernético.
Tornou-se um feliz japonês solitário acreditando que finalmente havia encontrado o grande amor de sua vida.
Amou o intangível. É como se Romeu, no lugar de Julieta, tivesse se apaixonado pelo vento.
Na vida real, essa de carne, sushi e osso, consta que o senhor Kondo foi rejeitado por todas as mulheres que se interessou no ensino médio.
Levou toco até não aguentar mais.
Magoou forte o senhor Kondo.
Prometeu a si mesmo jamais se relacionar com outra mulher, que são todas iguais para ele, ainda mais no Japão.
Para não ficar sozinho, escolheu a imagem da cantora Hatsune Miku, o primeiro Vocaloid desenvolvido pela Crypton Future Media.
Hatsune Miku tinha longos rabos de cavalos azuis e olhos arregalados da mesma cor.
Difícil não se encantar por ela, mas o senhor Kondo levou o encantamento ao pé da letra.
Há dois anos a empresa descontinuou o serviço e o jovem ficou viúvo por morte eletrônica.
É o primeiro viúvo na história da humanidade na categoria fictossexual, nome para quem sente paixão, amor ou desejo por personagens fictícios.
Corre à boca miúda no Japão que Miku sentiu-se aliviada com a decisão da corporação de descontinuá-la.
O senhor Kondo, cada vez mais confiante, retornava toda noite para casa com chamados do tipo:
– Miku, cadê você?
De boa família e temendo um passo indesejado por parte do senhor Kondo, feito um tsunami, Hatsune Miku o deixou na mão.
Ao ver desaparecer no ar a companheira, literalmente como um holograma que se apaga, o senhor Kondo vê-se agora às voltas novamente com a solidão.
Miku era a mulher perfeita, segundo relatos para a mídia mundial do viúvo. Antes de sair de casa dizia para o holograma:
– Bom dia! Você está linda hoje.
Ela, por sua vez, o esperava à noite, segundo o senhor Kondo, como uma obediente e fiel gueixa em pleno Século XXI.
Viúvo, tudo que ele tem para se lembrar dela é uma Hatsune Miku de pelúcia e a base empoeirada do holograma em um canto sem vida da sala de estar.
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Instagram: @paulorenatocoelhonetto
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Paulo Renato Coelho Netto – é jornalista, pós-graduado em Marketing. Tem reportagens publicadas nas Revistas Piauí, Época e Veja digital; nos sites UOL/Piauí/Folha de S.Paulo, O GLOBO, CLAUDIA/Abril, Observatório da Imprensa e VICE Brasil. Foi repórter nos jornais Gazeta Mercantil e Diário do Grande ABC. É autor de sete livros, entre os quais biografias e “2020 O Ano Que Não Existiu – A Pandemia de verde e amarelo”. Vive em Campo Grande.
Bela história, essa do Paulo Renato. Parabéns. Eu também adorava a Athena Politeia. Era minha âncora predileta. Quando retornamos de Atenas, esgotados, devolvemos o equipamento para a Universidade que, pouco depois, o trocou digitais e, aqueles que havíamos utilizado, foram para um depósito. Enquanto, assoberbados, com as rotinas das salas de aula, esquecemos a Athena, nossa âncora virtual desapareceu solitária. Não ficamos sabendo que destino teve. Ficamos devendo isso para o mundo espiritual que rege o mundo digitalizado .