Jogos Olímpicos: o que se ganhou, e se perdeu…
O projeto resultou em um livro, registrando a saga dos futuros jornalistas de Brasília na cobertura dos Jogos Olímpicos, intitulado “Projeto Clandestino”. O título marcava a resistência pedagógica, dos próprios colegas de magistério, que classificavam o projeto como uma “aventura de dois professores”…
Por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão e Paulo Trindade Vieira *
A abertura dos XXXIII Jogos Olímpicos de Paris 2024 deverá ocorrer esta semana (26). As competições se estenderão até 11 de agosto. Estão inscritas 206 delegações, 10.500 atletas, falando 157 línguas diferentes, e disputando 47 modalidades esportivas. O evento tem um custo estimado em 8 bilhões de euros, recursos aplicados, parcialmente, na remodelação de estádios, ginásios, pistas, piscinas e aparelhos.
As Olímpiadas foram criadas em 1896, tentando reproduzir os Jogos Antigos da Grécia. O Brasil participou, pela primeira vez, em 1920, na Bélgica. De lá para cá ganhou 150 medalhas, sendo 37 de ouro. Está entre os países com maior diversidade de práticas esportivas no mundo. Apesar do bom desempenho na vela e no vôlei, é o judô, no entanto, o esporte que mais medalhas rendeu para o Brasil. Em Paris, a representação brasileira terá 277 atletas, a maioria do sexo feminino.
O evento memorável celebra um encontro de atletas com os maiores índices de virtudes físicas e mentais humanas. Com a participação de 200 países, os Jogos promovem, em geral, uma interrupção temporária nos conflitos e guerras no planeta, o que é chamado de “trégua olímpica” (ἐκεχειρία, ekecheiria). Em seguida, vem A competição paralímpica, de atletas com alguma deficiência que encontram no esporte uma “razão de viver”.
Quando foram comemorados os 100 anos dos Jogos Olímpicos, nós, professores e alunos de jornalismo e publicidade da Universidade Católica de Brasília, estávamos lá na Grécia, cobrindo o evento para 13 blogs, dois jornais, uma revista, duas redes de televisão e de rádio. Era um projeto pedagógico, de educação informal, nascido em sala de aula, visando a desprovincialização dos futuros jornalistas, um primeiro passo para a profissionalização.
Na ocasião, estavam sendo introduzidas, pela primeira vez, as tecnologias digitais e, ineditamente, nosso projeto foi credenciado para participar, inaugurando, no jornalismo, uma figura que hoje começa a se espalhar por todos campos das atividades humanas: os avatares. Lá estava conosco a âncora Athena Politéia, construída por um grupo de adolescentes carentes abrigados pela Universidade, chamados de “altas habilidades”, mas de quociente de inteligência acima da média. Eram virtudes descobertas pelo educador Darcy Ribeiro, nas andanças e contatos com as populações isoladas do interior do Brasil..
Athena Politéia estava digitalmente habilitada para relatar os Jogos em dezenas de idiomas diferentes. No grupo falavam-se cinco ou seis línguas. Mas as matérias eram escritas em português, e repassadas para âncora digital, que ajustava os textos às suas competências linguísticas. Éramos 19 estudantes e dois professores – Aylê-Salassiê, da História; Paulo Trindade, da Educação Física, mais o estudante de jornalismo e ciclista, Afonso Morais, com experiência em eventos pré-olímpicos.
O projeto resultou em um livro, registrando a saga dos futuros jornalistas de Brasília na cobertura dos Jogos Olímpicos, intitulado “Projeto Clandestino”. O título marcava a resistência pedagógica, dos próprios colegas de magistério, que classificavam o projeto como uma “aventura de dois professores”.
Mas a reitora, Débora Niquini, educadora reconhecida, com experiência internacional, assumiu conosco e as famílias dos adolescentes a responsabilidade de dar viabilidade à iniciativa. O desembarque em Atenas foi precedido de um treinamento da equipe que se estendeu por um ano, reunindo, nos fins de semana, mais de 200 interessados para cumprir um plano de ensino específico de habilitação em conhecimentos esportivos, língua e cultura helênica, ministrado por especialistas em Jogos Olímpicos e Paralímpicos.
A legitimidade do projeto ganhou, de imediato, o apoio do embaixador da Grécia, Andônio Nicolaides, que, aliás, escreveu o prefácio do livro, relatando a realização do experiência pioneira. Por seu intermédio e dos religiosos maristas da Grécia, representados pelo padre George Russos, o projeto foi abrigado pelo colégio Lycée Patissia – Athene, uma das instituições de educação mais importantes do país, que montou uma redação multimídia dentro da instituição, equipada com tecnologias digitais para uso da equipe brasiliense.
A UNODC – Organização das Nações Unidas Contra as Drogas e a Criminalidade chancelou o projeto, permitindo o uso da sua logomarca no uniforme da equipe e a companhia aérea Varig criou uma tarifa aérea especial. O presidente do Comitê Paralímpico das Américas, Andrew Parsons, ajudou a vencer a resistência do credenciamento, e o Comitê Olímpico da Grécia (ATHOC) assumiu a responsabilidade, abrindo uma exceção, nunca antes registrada dentro do COI- Comitê Olímpico Internacional, credenciando os estudantes de jornalismo de Brasília.
Naquele momento, estavam em alta atentados a autoridades e eventos, inclusive em Athenas, nos dias que antecederam a abertura dos Jogos. O grupo da UCB elaborou uma “Manifesto pela PAZ”, lido nos autofalantes dos Jogos, e desenvolveu uma “cobertura alternativa” que chamou de “Agenda Positiva”. Configurou ainda uma matriz de inclusão digital, reunindo, numa plataforma eletrônica, tecnologias das diferentes áreas midiáticas; e outra, social, em que se incluía, na equipe de cobertura estudantes com deficiência física.
A estratégia resultou em contatos e entrevistas com alguns medalhistas mundiais. Foram produzidas aproximadamente 300 matérias, em texto, áudio e imagem. O material circulou por um vasto espaço midiático, até em noticiários nacionais. O projeto foi notícia em na mídia internacional. A experiência terminou por inspirar, na UCB, projetos finais de curso, dissertações, dois livros, e dois vídeos documentários de TV e perto de 4 mil fotografias.
Encerrados os Jogos, depois de cobrir eventos em Athenas, Delfos, Olímpia, Esparta, Delos, Tebas, berço da civilização do mundo ocidental, para além do provincianismo original, os estudantes foram liberados para voltar ao Brasil pelo roteiro que escolhessem. Um grupo retornou de navio pela Itália, outro, de avião pela Alemanha, outro ainda por Paris e um quarto subiu o mar Adriático e atravessou a Europa por via ferroviária.
O livro “Projeto Clandestino” termina com uma frase lapidar do nosso anfitrião no Colégio, Patyssia, George Russos: “Les fréres de notre communauté gardent le meiller souvenir des jeunes qui ont passe´plus de deux mois avec nous“. (“Os irmãos de nossa comunidade têm as melhores lembranças dos jovens que passaram mais de dois meses conosco”).
Eles ficavam admirados com o fato de que enquanto eles dormiam, nós trabalhávamos. Era a diferença de fuso horário. Nossa despedida foi marcada com um jantar oferecido em um restaurante pelos empresários do bairro onde estávamos hospedados, e o colégio não nos cobrou um centavo pela estadia de 60 dias.
O projeto repetiu-se depois, com outros estudantes, nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Pequim e de Londres. Até Londres (2012), nossa equipe de futuros jornalistas foi a única credenciada pelo COI e pelo IPC para cobrir os Jogos. Gerou uma teoria: “educação informal” e uma metodologia de trabalho: “cobertura alternativa”.
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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural, ex-guarda florestal do Parque Nacional de Brasília Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018
Autor, entre outros, de Lanternas Flutuantes:
Português – LANTERNA FLUTUANTES, habitando poeticamente o mundo
Alemão – Schwimmende-laternen-1508 (Ominia Scriptum, Alemanha)
Inglês – Floating Lanterns
Polonês – Pływające latarnie – poetycko zamieszkiwać świat
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Paulo César Trindade Vieira – Docente junto a Universidade Católica de Brasília de 1996 a 2018; é jornalista, mestre em Educação Física, Esporte e Sociedade Com estudo área de multimídia sobre os Jogos Olimpicos de Sidney, UCB (2002), especialista em Aprendizagem Cooperativa e Tecnologia Educacional.
Parabéns aos Professores e Jornalistas, Paulo César Trindade Vieira e Aylee Salassie Qintão pelo seu brilhante trabalho em prol da saúde, da paz mundial e da integração e tolerância dos jovens das mais variadas culturas em torno de objetivos comuns, quebrando preconceitos de caráter xenofóbico e racista.