Tudo cai. Por Marli Gonçalves
Tudo cai, vai pegar um negócio e lá catapimba ele escorrega de sua mão. Está andando e, especialmente se for nas calçadas de São Paulo, de repente beija o chão, depois de um tropeço mesmo andando levantando o pé igual a uma garça, como temos de caminhar por aqui. Não tem dias que parece que tudo cai?
Por acaso já teve a maléfica experiência de deixar cair – rezo e reze também para que não – um vidro de café solúvel? Além do prejuízo, do vidro e seus cacos, claro, aquilo – aqueles grãozinhos – imediatamente se transformam ao contato do chão, mesmo o mais limpo e seco, os marrons se espalham, grudam e qualquer tentativa de contê-los é desgraça. Pano molhado? Nunca! Vassoura? Aquilo vai se espalhando por áreas não afetadas. Foi só um exemplo.
De vez em quando rola uns dias assim, meio esquisitos, que você sem querer derruba coisas. Se tem fé e o copo se despedaça, claro, já grita: “Eita. Que bom! Já dispersou uma energia ruim. Antes ele do que eu!”. Escorregou. Outro dia aconteceu com um prato de vidro com farofa na hora que abri a geladeira para pegar outra coisa que, sinceramente, não lembro até agora o que foi, porque os minutos seguintes foram de tentar ao menos diminuir o desastre, sem deixar nem a sujeira, nem pisar nos cacos de vidro que impressionantemente parece que querem conhecer também os outros cômodos da casa, se espalham e você ainda passa dias com problemas em andar descalço em toda a região. E era um restinho de uma farofa deliciosa. Será que foi o santo que quis?
Brincadeiras à parte, enquanto são coisas que escorregam de nossas mãos, até que tudo bem. O problema mesmo é quando o corpo inteiro desmancha. Aconteceu com um grande amigo que muitos conhecem. Teve um apagão – todos estão sujeitos igual aos sistemas infernais sermos desligados pelo cérebro em um segundo – caiu, quebrou e machucou todo seu lado direito, nunca mais voltou a andar e seus anos seguintes até a morte resultaram disso. Ele era grande, pesado e alto, caiu de si mesmo. Um outro teve os dois joelhos abalroados severamente.
Qualquer abalo pode nos levar ao chão – São Paulo sentiu o terremoto ocorrido lá no Chile na noite da última quinta, que sacudiu tudo, prédios e coisas no centro de São Paulo – sensação pra lá de ruim. Falando em fantasmas, por aqui, por causa desse tremor uma luminária comprida começou do nada a balançar. Vento não era. A gata que sempre acaba culpada por umas coisinhas nem estava ali por perto e correu assustada. Como a gente é doido, não? Tentei não pensar, mas pensei: fantasmas? Espíritos? Deixa pra lá. Mas logo o noticiário informava o causador. Terremoto lá longe.
Dia seguinte, no caso, essa sexta, 19, acordar com a notícia de que uma pane global de sistemas afetava o mundo todo com um apagão nunca antes visto nas máquinas, vamos lá, admitam, foi bem punk. Uma atualização de sistema deu errado, afirmou a empresa americana terceirizada da Microsoft, a CrowdStrike, de segurança(!) cibernética. Imediatamente suas ações caíram, e ela perdeu alguns bilhões de dólares. O prejuízo causado pelas paralisações ainda, que eu saiba, não foi estimado, se é que dá para ser calculado – impactou tudo, companhias aéreas, bancos, hospitais, a geral que usa o tal sistema. Em todos, apareceu a tal “tela azul da morte” que caracteriza o bug. Enquanto escrevo a situação ainda não se normalizou horas depois. Aqui, sozinha, outra semana quase enlouqueci com uma mudança de sistema no site.
Bem, voltando a essa última e infernal quinta e sexta… Quinta, terremoto, mais discurso do remendado Trump na convenção republicana nos Estados Unidos televisionado ao vivo para o mundo inteiro: aliás, o horror. Aproveitando o atentado sofrido que lascou sua orelha direita, o que se viu foi um claro ninho fascista projetando novamente suas sombras para o mundo. A plateia absolutamente branca e rica, loura e batendo cílios postiços ou mostrando orelhas com curativo igual ao dele, aplaudindo embasbacados cada uma das inúmeras ameaças, ops, promessas, que fez para se eleger de novo presidente em novembro, um show de horror que jurávamos nunca mais depois das tragédias do século passado. Quem viu e ouviu, e tem algum bom senso, deverá concordar que estamos todos diante de tempos perigosos e difíceis, aqui, lá, em todos os cantos.
É melhor deixar cair copos, pratos, que se despedacem dissipando as energias ruins. O que não podemos é deixar o mundo cair nas mãos deles.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.
marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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