Rebelde versão

Rebelde versão. Por Adilson Roberto Gonçalves

O uso da expressão ‘noviça rebelde’ no título parece não ter causado indignação nas esferas religiosas, tão ciosas que são quanto a hipócritas moralismos. Fiz um levantamento de como o lançamento do filme foi recebido, especialmente em periódicos da época que tratavam de assuntos religiosos

A Noviça Rebelde - Cinema e Audiovisual ESPM

É curioso que, mesmo depois de quase 60 anos, insistem na má “tradução” do filme e musical “The sound of music” para “Noviça Rebelde” na versão em português. Por que não usar “O som da música”, que é a tradução direta e reflete o que o musical apresenta? Ou é apenas uma indevida crítica religiosa, uma vez que, na história, são as freiras que escondem e ajudam a família Von Trapp? Ou agora não se pode ou não convém mais corrigir o erro histórico no título usado no Brasil, único país que adotou tal expressão? Mistérios inexplicáveis da ‘versão brasileira’.

Volto à questão motivado por uma nova montagem do musical em cartaz. O exitoso e bonito filme de 1965 foi baseado no musical que já fazia sucesso nos palcos. A obra foi dirigida por Robert Wise, com Julie Andrews, Christopher Plummer, Eleanor Parker e outros no elenco. Em Portugal recebeu um outro título: “Música no coração”.

O uso da expressão ‘noviça rebelde’ no título parece não ter causado indignação nas esferas religiosas, tão ciosas que são quanto a hipócritas moralismos. Fiz um levantamento de como o lançamento do filme foi recebido, especialmente em periódicos da época que tratavam de assuntos religiosos. Consultando “noviça rebelde” na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional retornaram 3218 ocorrências na década de 1960, sendo que três títulos são exclusivamente religiosos, aos quais dei a atenção nesta primeira abordagem. Não fiz uma busca mais minuciosa, sabendo que a ferramenta não é isenta de erros.

Em “Voz Diocesana”, publicada em Campanha-MG, na edição número 640 de 10 de abril de 1968, seção CINEMA, pg. 2, consta a seguinte apreciação do filme: “uma noviça de ordem religiosa é aconselhada a experimentar sua vocação. Ocupa cargo de governanta no Castelo dos Trapp. Belo filme destinado ao divertimento sadio e capaz de enternecer o público. Ótima fotografia, cenografia e textura musical excelentes.” O periódico se afirma “órgão católico” na capa, e nota-se o direcionamento final, dizendo ser um “espetáculo positivo, indicado para todos”.

O Jornal do Maranhão, semanário de orientação cristã publicado na capital daquele Estado, na edição de 12/2/1967, pg.7, anuncia detalhes do filme para a semana seguinte, mas ele não foi exibido, substituído por outro, e cessam as menções. Curioso que a atriz principal foi chamada de Julie Christie. Não apresenta ressalvas quanto ao conteúdo.

Já o jornal “A Cruz”, órgão da paróquia de S. João Batista, Rio de Janeiro, na edição 3 de julho de 1966 publica a crônica “Num escritório de cinema”, em que usa o filme como exemplo de ser “rigorosamente moral, com aspectos vincadamente religiosos e católicos”. O texto aproveita dessas qualidades para criticar outros filmes que, na avaliação do periódico, são imorais. O artigo é publicado novamente em 18/9/1966, novamente sem menção à autoria.

Sabemos que vários desses jornais foram porta-vozes da defesa do golpe de 1964, ocorrida alguns anos antes, e da perseguição aos críticos daquele regime, sendo interessante a manifestação em assunto relativamente inocente quanto à “moral” presente em filmes.

Bem diferente das ingerências religiosas atuais em assuntos políticos, sociais e de saúde pública.

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Perfil ambiental e político – Adilson Roberto Gonçalves –  pesquisador da  Universidade Estadual Paulista, Unesp, membro de várias instituições culturais do interior paulista.  Vive em Campinas.

 

 

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