Governos e organizações internacionais. Por José Horta Manzano
… Vejam o caso de organizações internacionais. A ONU, criada ao final da guerra de 1939-1945, funcionou durante mais de meio século sem que ninguém contestasse sua legitimidade.
Enquanto o mundo gira, A Lusitana continua rodando (*). Vira e mexe, me lembro dessa frase e me dou o gosto de reviver as alegrias daqueles tempos. Pois é, o mundo sempre girou e a política, desde sempre, vem se acomodando aos volteios da humanidade.
Só que, de uns vinte ou trinta anos pra cá, esses giros parecem estar se acelerando. Com a premonição que é permitida aos poetas, um Chico Buarque ainda mocinho percebeu o fenômeno e cantou: “A gente estancou de repente / ou foi o mundo então que cresceu?”. Acho que foi o mundo que cresceu, demais e de repente. A coisa se acelerou a tal ponto, que postulados antigos já não vigoram e verdades do passado não se sustentam mais.
Vejam o caso de organizações internacionais. A ONU, criada ao final da guerra de 1939-1945, funcionou durante mais de meio século sem que ninguém contestasse sua legitimidade. Já associações, organizações e grupos internacionais criados em décadas mais recentes têm tido longevidade mais curta.
A União Europeia foi arquitetada numa época em que era forte, em cada país membro, a separação entre Estado e governo. Partidos podiam se alternar no governo, mas os objetivos nacionais perduravam, o que conferia estabilidade à UE. De repente, surgiram sinais de radicalização emitidos por partidos extremistas de direita. Mais e mais insistentes, acabaram interferindo no papel que cada país membro representa.
As regras de funcionamento do grupo, feitas nos anos pré-radicalização, não são suficientes para enfrentar as atuais cisões internas causadas por membros rebeldes. Quando uma Hungria, por exemplo, se recusa a aplicar sanções comerciais à Rússia, como fazem todos os demais países do grupo, há poucos instrumentos para trazê-la de volta ao caminho comum a todos. O problema é cabeludo.
Nosso caro Mercosul, que já nasceu meio desequilibrado devido à assimetria entre as economias que o compõem, continua em busca de mecanismos que possam ser de utilidade permanente para seus países membros. E que não dependam do humor dos governantes de turno.
É absolutamente ridículo que um presidente qualquer falte a uma cúpula, como fez o presidente da Argentina, por motivo de incompatibilidade ideológica com um dos colegas. Isso pode até ser admissível numa reunião de condomínio, mas, numa cimeira do Mercosul, cada presidente representa seu povo. Não faz sentido deixar de comparecer porque Fulano ou Sicrano lhe é intragável. Passar por situações de desconforto faz parte dos ossos do ofício.
É verdade que as políticas de extrema direita, aplicadas no Brasil de Bolsonaro e agora na Argentina de Milei se fundamentam na detestação e na exclusão: quem não está comigo é meu inimigo, e todo inimigo é alvo a ser eliminado.
Do jeito que vão as coisas, tratados e organizações internacionais têm de ser reinventados. Repensados do porão até o telhado. É imperativo encontrar um freio à interferência de governos de turno no funcionamento da organização inteira. Se uma solução não for encontrada, será chegado o momento de refletir seriamente se vale a pena continuar juntos.
A União Europeia é importante demais para ser desmontada. Vão ter de encontrar um modus vivendi. Quanto a nosso caro Mercosul, talvez seja hora de desistir. E que cada um siga seu caminho.
(*) Meio século atrás, A Lusitana, empresa do ramo de transporte, fazia propaganda no rádio com o slogan
“O mundo gira e A Lusitana roda”.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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