parceiro duvidoso

by Caio Gomez (1984-), ilustrador brasiliense

Parceiro duvidoso…Ao desprezar o Ocidente democrático e se jogar de cabeça no Brics, um clube de países que não combinam com o nosso, a dupla Lulamorim está fazendo mau negócio. Fosse eu, refletia duas vezes.

 

parceiro duvidoso
                          by Caio Gomez (1984-), ilustrador brasiliense
 Artigo publicado no Correio Braziliense e no blogue do autor

O R do Brics é a Rússia. No acrônimo, ela aparece coladinha ao Brasil. Na vida real, a distância física, histórica e cultural entre os dois países é imensa. Basta um exemplo: o povo russo jamais viveu sob um regime que não fosse autoritário, enquanto os brasileiros já conheceram largos períodos democráticos, inclusive o atual. Os russos vivem atualmente um momento apertado, com o fechamento da porta que dava para o Ocidente. Mesmo com os combates na Ucrânia ainda longe das grandes cidades russas, a vida já não é como antes.

Dirigentes de numerosos países já cometeram erros fundamentais que mudaram os rumos da nação. Se arrependimento matasse… cemitérios estariam lotados – é o que se costuma dizer. Mas há erros que deixam mais remorso que outros.

Os dirigentes do Japão que participaram da decisão de atacar a frota marítima americana na Pearl Harbour de 1941 hão de ter se arrependido amargamente de ter elaborado o plano que acabou por desgraçar o Império do Sol Levante.

Nosso Jânio Quadros é outro que, depois de renunciar ao mandato de presidente do Brasil, certo de que o povo o traria de volta “carregado nos ombros”, há de ter chorado lágrimas de aflição em seu autoexílio londrino. Além de perder o mandato, abriu as portas para um regime de exceção, que castigaria o país por mais de 20 anos, na sequência do golpe de 1964.

Talvez o exemplo mais eloquente de “post errorem desperandum” (desespero depois do erro) seja a monumental derrapada que Vladímir Pútin deu ao mandar suas tropas invadirem a Ucrânia em 2022. O fiasco foi tão grande que ele só continuou no comando da ditadura russa até hoje por obra e graça do sistema mafioso que o sustenta no trono. Não fosse a máquina governamental repressiva e opressiva, e o total enquadramento do sistema judiciário, é possível que Pútin já tivesse desaparecido num “desafortunado acidente” e já tivesse deixado o trono para um sucessor.

Estes dias, os discretos serviços secretos britânicos publicaram uma estimativa das perdas sofridas pela Rússia na guerra atual. Meio milhão de humanos (incluindo militares e civis) teriam sido mortos ou feridos! O morticínio continua a um ritmo superior a 1.200 pessoas por dia. Quanto às perdas materiais, teriam sido destruídos: 10 mil blindados, 3 mil tanques de guerra (número que representa quinze vezes o número total de tanques do exército francês!), 109 aviões, 136 helicópteros, 23 navios de guerra. A esses números, convém acrescentar cerca de 400 drones e mais de 1.500 peças de artilharia.

Essa impressionante quantidade de combatentes e de material perdidos em dois anos seria uma sangria insuportável para qualquer país, mesmo para os mais equipados. Para a Rússia, a situação é dramática, bem pior do que se imagina. A prolongação dos combates obrigou Moscou a reanimar sua indústria bélica. As compras de material bélico no orçamento de 2024 representam entre 30% e 40% das despesas totais do Estado russo. Para juntar essa montanha de dinheiro, cortes profundos têm de ser feitos em outras áreas, enfraquecendo o funcionamento do país como um todo.

Em momentos específicos do século passado, a economia da hoje falecida União Soviética chegou a ter certo vigor. Essa potência perdeu muito de seu antigo brilho. Na verdade, a Rússia de hoje é um país pobre. Para comparar, seu PIB corresponde aos PIBs somados de Holanda e Bélgica. Só que Bélgica e Holanda, adicionadas, têm 30 milhões de habitantes, enquanto a Rússia tem 146 milhões. Moscou tornou-se basicamente exportador de matéria prima (gás e petróleo).

Do ponto de vista militar, a Rússia, orgulhosa herdeira do laureado Exército Vermelho, perdeu esta guerra logo nos primeiros dias, ao não conseguir tomar Kiev e ser obrigada a retirar-se da Ucrânia.

Naqueles dias o mundo assistiu, pasmo, à débâcle de um temido grande exército diante de tropas menos poderosas. Para a Rússia, o vexame e o desgaste de imagem foram tremendos. Hoje, para a Rússia, o exército perdeu a majestade. Para servir de espantalho, só restou o espectro do arsenal atômico que, aliás, Pútin agita dia sim, outro também.

Ao desprezar o Ocidente democrático e se jogar de cabeça no Brics, um clube de países que não combinam com o nosso, a dupla Lulamorim está fazendo mau negócio. Fosse eu, refletia duas vezes.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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