Uma frustração exemplar. Por Antonio Contente
…frustração média eu classificaria a de outro amigo que, tendo jogado na Sena, meteu na cabeça: seria o solitário ganhador, levaria para casa qualquer coisa como 60 milhões…
Qual o tamanho de uma frustração? Nem é tão difícil assim estabelecer um parâmetro de grandeza para algo que não sai do jeito que as pessoas gostariam. Arriscaria até a garantir que elas, as frustrações, podem ser pequenas, médias ou grandes. Vamos pegar primeiro uma pequena, através de caso ocorrido com um amigo há tempos, na era pré-celular, quando os telefones eram tão preciosos que precisavam ser listados entre os bens nas declarações do imposto de renda. Na redação em que eu trabalhava então, o colega da mesa ao lado, ao fazer ligação de trabalho, percebeu que sua linha cruzara. Na outra ponta estava alguém com linda voz. O que fez o camarada tentar prolongar a conversa, que a interlocutora não dificultou. Assim, durante mais de uma semana todas as tardes os dois batiam papos. Para ele tratava-se de uma dessas beldades totais e absolutas. No mínimo, alguém com a estampa de Kate Middleton, a maravilha que casou com o príncipe da Inglaterra na sexta passada. Marcado encontro, deveria ocorrer na entrada da Galeria Prestes Maia, baixos do Viaduto do Chá. Cada um sabendo como o outro estaria vestido. Bom, no instante em que meu já enamorado colega resvalou os olhos sobre a criatura que o aguardava, absoltamente medonha, precisou se escorar num pilar, para não cair. Deu meia volta e sumiu numa carreira que terminou quase no túnel da Nove de Julho.
Já frustração média eu classificaria a de outro amigo que, tendo jogado na Sena, meteu na cabeça: seria o solitário ganhador, levaria para casa qualquer coisa como 60 milhões. Daí à elaboração dos planos seguiu-se o curso normal. Belas mulheres, iates, carrões, mansões etc. No dia do sorteio da bolada, os dedos trêmulos a segurar o volante, o esperançoso apostador acompanhou o sorteio pela TV. Para verificar que dos números que marcou não conseguiu acertar um só.
Chego, finalmente, ao que considero uma grande frustração. Para ilustrá-la, pego fato acontecido faz pouco tempo, aqui mesmo em Campinas, resguardando, naturalmente, os nomes das pessoas, criaturas bem postas, ricas, finas e cheirosas, como as definiria meu amigo Almir Reis. A personagem número 1 é uma senhora de 78 anos, educadíssima, viajadíssima, dessas que vão a Londres e Paris com a mesma facilidade com que vou ao distrito de Sousas. Viúva, morava sozinha num apartamento belíssimo, andar inteiro, na parte mais charmosa do chamado Cambuí Nobre. Pois bem, essa especial dama, no seu check-up anual, ficou estarrecida com algo que o médico solicitou. Tivesse ele dito que ela se encontrava com um câncer dos brabos em algum lugar do corpo bem tratado, não se contrairia tanto. Porém caiu no mais absoluto pânico na hora em que o clínico pediu que ela fizesse um, para a maioria das pessoas corriqueiro, exame de fezes. Com detalhe: necessitava que o material fosse colhido em quatro frascos diferentes. A nobre senhora saiu do consultório absolutamente arrasada. E, ao chegar em casa, a primeira coisa que fez foi telefonar para a única filha, que morava num outro apartamento também imenso no mesmo bairro.
— Querida – começou – fui ao médico para meu check-up anual e saí de lá dilacerada.
Do outro da linha a moça se assustou já imaginando algo terrível, para logo dar um suspiro de alívio ao saber que se tratava apenas de um mixuruca exame de fezes. Porém precisou sentar ao ouvir o que veio em seguida:
— Filhinha, seguirei tudo que o médico pediu, mas tem um detalhe: não tenho coragem de levar essa coisa ao laboratório, queria que você fizesse pra mim. Eu embalo tudo bem bonitinho, e você faz, não faz?
— Faço… – A outra capitulou, contendo a contrariedade.
Assim, dias depois a riquíssima socialite foi à casa da filha. Levava os quatro potinhos com o… Com a… Com o material cuidadosamente acondicionado numa caixa de madrepérola que, no passado, usava para guardar quinquilharias. Envolveu tudo num grande lenço branco de algodão egípcio sobre o qual espargiu fina lavanda francesa e colocou a, se assim se pode chamar, mercadoria, no fundo de uma dessas bolsas de butiques de altíssimo luxo.
O resto aconteceu rápido. Ao saltar do seu carro particular com chofer diante da casa da filha, pintou o ruído de uma moto em alta velocidade, e, zás, um assaltante arrancou das mãos da senhora o que ela levava. Por pouco não ocorre um desmaio. Mas frustração das grandes, das enormes, deve ter tido o ladrão. Pois chegou com o material há pouco furtado e entregou para a amante:
— Aí está, trouxe essa maravilha pra você. Arranquei das mãos duma dona que tava num Mercedes de luxo…
—Que bom, deve conter um colar de brilhantes e rubis…
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ANTONIO CONTENTE –
Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.
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