Pode atender? Por Paulo Renato Coelho Netto
… Pode atender? O telefone portátil revolucionou até a anatomia do ser humano. Agora temos cinco extremidades. As inferiores – as duas pernas – e as superiores, os dois braços acrescidos de um celular em uma das mãos…
Há quanto tempo você usa o telefone celular para quase tudo menos para fazer uma ligação telefônica?
Nos primórdios o celular era telefone raiz, sem tela. Apenas o teclado básico com botões para atender e desligar o aparelho. Tinha antena, inclusive.
Telemóvel. É assim que os portugueses o chamam. Nada mais que um telefone portátil.
Agora serve para tanta coisa que a gente se esquece para que foi criado.
O limite hoje, literalmente, é o infinito. Há excelentes aplicativos que podem ser usados no celular para localizar e nominar constelações e planetas. Identificam, inclusive, satélites em tempo real. Basta apontar a câmera do celular para o céu.
Perspectivas da População Mundial das Nações Unidas mostram que existem mais de 8 bilhões de pessoas no mundo.
De acordo com Relatório Digital Global Statshot, o número de usuários únicos de telefones celulares era de 5,65 bilhões no início de 2024.
Os dados recentes revelam que 69,4% da população do planeta usa um dispositivo móvel, com o total global aumentando em 138 milhões (+2,5%) desde o início de 2023.
Para os pessimistas de plantão que apostam que os carros elétricos nunca vão dar certo, aí vai: o celular foi criado pelo engenheiro americano Martin Cooper, em 1973. Era um Motorola Dynatac 8000X.
O telefone tinha 25 centímetros de comprimento por sete centímetros de largura. Pesava quase um quilo e meio, com autonomia apenas de 40 minutos em ligações ou oito horas em espera. Seu carregamento demorava dez horas. Custava quatro mil dólares, mais de 20 mil reais em dinheiro de hoje.
Em alguns aspectos, lembra ou não os atuais carros elétricos?
O celular é revolucionário, no sentido literal da palavra, da mesma forma que os carros elétricos serão.
O telefone móvel completou 50 anos em 2023.
A primeira pessoa que vi falando em um telefone celular foi um homem, de terno e gravata, na Avenida Paulista, no início dos anos 90. Estava se exibindo. Só faltava oferecer autógrafo.
Lembro muito bem da figura. Conversava e ria pendurado em um enorme celular da Motorola, um tijolão que poderia servir também como arma de defesa pessoal.
O telefone móvel nasceu predestinado ao multiuso. Bastava arremessar o Motorola na cabeça de alguém que ele morreria ali mesmo, em frente à TV Gazeta, de traumatismo craniano.
Celular já entrou no mercado como sonho de consumo. Quem não desejou tê-lo precisou comprar, querendo ou não. É útil.
O telefone portátil revolucionou até a anatomia do ser humano. Agora temos cinco extremidades. As inferiores – as duas pernas – e as superiores, os dois braços acrescidos de um celular em uma das mãos.
A senhora que passa roupas em casa encontrava certa dificuldade em fazer o serviço e escutar o telefone. Usa como radinho de pilha.
Notei que durante um tempo ela fez o serviço tão muda quanto uma freira carmelita após o voto de silêncio.
De longe, a escuto cantarolando sozinha. Disfarço e vou até a área de serviço para ver o que está acontecendo. Ela comprou fones de ouvido, plugou no celular e resolveu o problema.
Três caras em um andaime pintando um prédio no 15° andar? Pode apostar. São três pintores com um celular para cada um.
Um estádio lotado de torcedores é um estádio lotado de celulares.
Ao melhor estilo 5ª Série, briga filmada no celular pelos coleguinhas no parlamento. Desinteligência de políticos na Câmara Federal, em Brasília, com direito a chutes, pontapés e insultos de meninos de 13 anos, tipo “Você é um frouxo, você é um mentiroso. Vamos lá fora então, quero ver. Vamos só nós dois. Vagabundo, boiola, bandido”.
Caminhoneiro sozinho na estrada, celular na boleia.
Idem para vaqueiro no pasto, o pescador na jangada, a moça sozinha ganhando a vida na penumbra da calçada, o encarcerado no presídio, a lavadeira de roupas na beira do rio.
Ocorre que o tiro saiu pela culatra, expressão usada para ilustrar que, ao invés da bala deixar a arma pelo cano, tomou o caminho inverso para estourar na cara do atirador.
Com a massificação do celular, telefonar diretamente para alguém tornou-se tão invasivo que pode ser comparado à falta de educação.
Primeiro, geralmente, mandamos uma mensagem por WhatsApp para saber se a pessoa pode atender. Somente depois, conforme a resposta, a ligação será ou não feita.
A exceção do WhatsApp tornou-se regra. Mensagens de texto chegam até para comunicar a morte de alguém ou para convites de festas. Salve a data.
Quando criança, havia em casa um telefone preto ébano de tão escuro.
Era uma alegria quando soava sua campainha, aguda e estridente, como se um facho de luz estivesse invadindo a sala, onde ficavam em lugar de destaque os telefones preto ébano.
Era uma correria para quem chegasse primeiro para falar Alou!? Mesmo que a ligação não fosse para quem tivesse atendido, sobrava sempre um dedo de prosa.
Hoje a gente corre sem saber para onde ir e sem ter com quem falar.
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Paulo Renato Coelho Netto – é jornalista, pós-graduado em Marketing. Tem reportagens publicadas nas Revistas Piauí, Época e Veja digital; nos sites UOL/Piauí/Folha de S.Paulo, O GLOBO, CLAUDIA/Abril, Observatório da Imprensa e VICE Brasil. Foi repórter nos jornais Gazeta Mercantil e Diário do Grande ABC. É autor de sete livros, entre os quais biografias e “2020 O Ano Que Não Existiu – A Pandemia de verde e amarelo”. Vive em Campo Grande.
Gostei muito do teu artigo, gostoso de ler.
Tenho ainda 2 livros teus, uma reliquia que guardo com carinho.
Um grande abraço!
Katia