tormentos

Tormentos d’amor. Por Antonio Contente

Tormentos… a estonteante criatura, espécie de Marylin Monroe aperfeiçoada, entra, usando um biquini que já era a antevisão dos fio-dental de hoje. Antes de exercitar os primeiros movimentos, atirou os longos cabelos para as costas…

                                            TORMENTOS

        É muito comum que as pessoas guardem para sempre  simples frase que escutaram em certo momento de suas vidas. Uma que de vez em quando perpassa pela minha cabeça ouvi em praia do Litoral Norte de São Paulo há bem mais de trinta anos. Era de noite, eu estava bebendo, sozinho, num boteco da ainda poupada enseada. Nisso, também copo da mão, meu amigo L.C senta ao lado. Acende o cigarro, dá a primeira baforada; após um gole, murmura:

        — Ser casado com mulher bonita é um inferno…

        Apanhado de surpresa também dei um gole na minha bebida. Para descobrir que não poderia fazer nenhum comentário sobre a observação. Pela simples e boa razão de que o autor da insólita sentença era marido de uma criatura não apenas lindíssima. Mas também dona de personalidade forte, o que a diferenciava ainda mais de qualquer beldade comum. Confesso que àquela altura da minha vida não conhecia ninguém que pudesse chegar ao menos perto da jovem de cabelos longos, pernas bem torneadas, rosto expressivo e corpo perfeito, escultural, magnífico, com derrière de protuberantes contornos absolutamente memoráveis, majestosos.

        Na continuação da mesma temporada praiana, depois da cortante frase marital que cito acima, passei a observar melhor a moça, já então guardando uma espécie de discreta e quase solene solidariedade com o angustiado L.C. Para concluir, sem nenhum esforço, que ela, simplesmente, tinha total e consciente certeza do furor que causava; e do qual gostava em gênero, número e grau. Foi inesquecível observá-la certa manhã, quase à hora do almoço, quando praticamente só homens ocupavam o bar local, que tinha as mesas atravessadas por uma espécie de passarela que ia da entrada ao caixa. De repente, a estonteante criatura, espécie de Marylin Monroe aperfeiçoada, entra, usando um biquini que já era a antevisão dos fio-dental de hoje. Antes de exercitar os primeiros movimentos, atirou os longos cabelos para as costas. Depois andou, com passos deliberadamente calmos, no rumo do balcão certamente a naufragar em felicidade com o enorme silêncio que se fez no antes barulhento ambiente. Silêncio quase sepulcral que perdurou até o instante em que, após comprar um maço de cigarros, a deusa saiu para a esplendorosa manhã de sol.

        Depois de presenciar outras cenas de provocação explícita que ela espargia sobre a rapaziada, uma noite, talvez encorajado por dois ou três uísquinhos a mais, encarei L.C perguntando por que me dissera que ser casado com mulher bonita seria um inferno. Primeiro ele sorriu. Depois, pousando a mão no meu braço, gemeu:

        — É que quando saio com a R., seja aqui na praia ou em qualquer outro lugar, os homens que estão ao redor dão a impressão de estar prestes a me atacar. Para arrancá-la dos meus braços a qualquer custo.

        Logo depois deste mês na praia mudei de São Paulo e só muito raramente, apenas na base do “olá, como vai?”, revi o angustiado marido. Isso até que, já neste século, indo jantar no Gigetto, em Sampa, dei com ele numa mesa. Chamou-me, sentei, e iniciamos papo. Que pra mim terminaria absolutamente incompleto se eu não ficasse sabendo como estava indo a outrora (milênios haviam passado…) belíssima R. Percebendo que, com o correr dos minutos o tempo se esgotava, lancei a pergunta, como quem não quer nada:

        — E a R., está bem?

        — Suponho que sim. Separamos um ano após aquela temporada em São Sebastião.

        Dei uma colherada na sobremesa e nosso personagem, certamente, percebeu que eu estava louco para saber mais. Olhou nos meus óculos:

        — Vou te contar como separamos.

        De fato narrou que o desenlace ocorreu durante um Carnaval no Rio. Curtindo o famoso baile do Copacabana Palace, riquíssimo sujeito (talvez um sheik) de um dos fechados países do Oriente Médio, a levou.

        — Bom – suspirei – espero que ele não tenha sofrido os mesmos problemas que você sofreu.

        — Absolutamente, jamais.

        — E o que te dá essa certeza?

        — É que lá onde ela foi morar os homens, talvez muito sábios ou bem orientados por Alá, não permitem que as mulheres se mostrem em público a não ser vestindo a burca ou o niqab. Tenho convicção ferrenha que foram felizes para sempre.

        Dando o último ataque à sobremesa, balancei a cabeça. Concordando, por achar que algum sentido a crença do meu amigo poderia abrigar. Bom dia.

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Antonio ContenteANTONIO CONTENTE

Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

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