O que querem os franceses?

O que querem os franceses? Por José Horta Manzano

Macron está fazendo verdadeiro lance de pôquer. Está colocando os eleitores franceses diante de suas responsabilidades. Eles têm agora 20 dias para pensar se realmente querem ser governados por deputados de extrema direita ou se deram somente um voto de protesto do qual se arrependem.

O que querem os franceses?

A Constituição de 1958 instaurou na França um regime político sui generis. O presidente da República (chefe do Estado) é eleito pelo voto popular direto, para um mandato de 5 anos. Ele convive com um primeiro-ministro (chefe do governo) indicado por ele mesmo e confirmado pela Assembleia dos deputados. Cabe ao primeiro-ministro (PM) formar o governo, ou seja, escolher o titular de cada pasta e de cada secretaria especial e, com eles, governar o país.

No papel, a autonomia do PM parece ampla. Na vida real, quando presidente e PM são do mesmo campo político, o PM serve como correia transmissora das diretivas presidenciais. Em outros termos, o presidente extrapola suas funções de apenas chefiar o Estado e acaba governando.

Na França, diferentemente do que se vê no Brasil, os partidos têm consistência. Não funcionam como biruta de aeroporto, como agem nossos partidos, amorfos e desprovidos de coluna vertebral. Em Paris, atrás de cada sigla partidária, há uma ideologia conhecida e uma visão da coisa pública aferível.

Emmanuel Macron está no meio de seu segundo mandato como presidente, o último ao qual se pode candidatar, segundo a lei francesa. É vedado candidatar-se a um terceiro tempo. Essa situação lhe dá calma de espírito e lhe confere a tranquilidade de quem conduziu o país da melhor maneira que lhe pareceu. Como ele mesmo declarou em sua fala de ontem, é o único político francês sem ambições pessoais para as próximas eleições de 2027.

Como as pesquisas já haviam adiantado, o campo da extrema direita avançou algumas casas nas eleições de domingo, ontem. Os 27 países membros da União Europeia votaram para escolher os deputados que enviarão a Estrasburgo (França), sede do Parlamento Europeu. Cada país tem direito a uma quota de deputados correspondente a sua população.

A direita extrema cresceu um pouco, mas abaixo do que se esperava. Já os resultados nacionais franceses confirmaram a tendência que já se vinha delineando: o partido populista-extremista de Madame Le Pen deu um salto à frente e se tornou o primeiro partido do país. Abocanhou 31,4% dos votos e deixou o partido do presidente Macron em segundo, comendo poeira, com menos de 15%.

Era mais ou menos o que se esperava, mas as previsões são uma coisa e o resultado final é outra. Dá um susto ver que os extremistas de direita, herdeiros de um passado de tenebrosa memória, viraram a maior força do país. Para os 70% que não votaram neles, dá um nó no estômago. Muitos dos que deram seu voto a essa gente só para mostrar descontentamento com a carestia, com a violência ou com a alta do preço da gasolina estão agora arrependidos.

Macron, um político agora descompromissado, agiu rapidíssimo. Uma hora depois do anúncio dos resultados (das projeções, porque nem resultados oficiais eram), fez um pronunciamento nacional por cadeia de rádio e tevê. Anunciou que, a partir desta segunda-feira, a Assembleia Nacional (Câmara dos Deputados) estaria dissolvida e que eleições para escolher novos deputados estavam convocadas para 30 de junho (1° turno) e 7 de maio (2° turno).

É o caso de dizer: pegou todo o mundo de calça curta! A maioria do eleitorado tinha descartado que ele lançasse mão dessa medida. Da minoria que tinha considerado esse passo, ninguém acreditou que viesse com tal rapidez. Pensaram que o presidente fosse tergiversar, resistir um pouco e só ceder depois de muita reclamação.

O Artigo 12 da Constituição Francesa dá ao presidente o poder de dissolver a Câmara e convocar novas eleições. A única restrição é que se deixe um espaço de um ano entre dissoluções.

O decreto de dissolução vale imediatamente e fixa as eleições para 30 de junho, com segundo turno uma semana depois. A partir desta segunda, a França está sem Assembleia Nacional. Todos os deputados compareceram para esvaziar gavetas e recolher objetos pessoais. Projetos de lei em discussão ficam bloqueados até segunda ordem.

A campanha eleitoral (20 dias) será uma das mais curtas que já se viram, embora dentro do prazo constitucional. As candidaturas terão de ser registradas até sexta-feira desta semana. Uma eleição a jato, como se costumava dizer (minha mãe escrevia “a jacto”).

Macron está fazendo verdadeiro lance de pôquer. Está colocando os eleitores franceses diante de suas responsabilidades. Eles têm agora 20 dias para pensar se realmente querem ser governados por deputados de extrema direita ou se deram somente um voto de protesto do qual se arrependem.

A resposta será conhecida dia 7 de julho às 20h em ponto, 17h pela hora de Brasília.

_________________________

JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

______________________________________________________________

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter