O poder do foda-se. Por Paulo Renato Coelho Netto
De dentro para fora, de você com as pessoas, mesmo com os desconhecidos, seja respeitoso. Nunca adote o foda-se de dentro para fora. O que você diz revela quem você é. Na dúvida, adote o silêncio.
Precisei viver mais de meio século para aprender o poder libertador do foda-se. Se alguém me contasse na adolescência, ou no início da juventude, o que precisei de tanto tempo para aprender, minha vida teria sido ainda melhor.
Haveria, certamente, menos sofrimento, menos desgastes desnecessários, mais noites plenamente dormidas e muito menos perda de tempo.
O tempo é o único bem irrecuperável na vida.
É para você, jovem, nos melhores anos da sua existência, repleta de hormônios, saúde e sonhos, que escrevo agora.
Antes de entrarmos no foda-se, propriamente dito, é necessário fazer algumas ressalvas.
O silêncio é ouro. O foda-se não precisa ser ofensivo, verbalizado. É espinha que pode sair com mudez da garganta, a farpa retirada do pé para andar descalço na praia do sossego.
O que se segue é tudo que faria se me visse novamente diante do espelho com os primeiros traços da adolescência aflorando na pele, no corpo inteiro e na alma.
Viver é muito bom.
De dentro para fora, de você com as pessoas, mesmo com os desconhecidos, seja respeitoso. Nunca adote o foda-se de dentro para fora.
O que você diz revela quem você é. Na dúvida, adote o silêncio.
O respeito é fundamental para se criar a aura à sua volta de boas energias com quem você irá dividir a vida, mesmo com aqueles que seu santo nunca vai bater.
Até no trânsito, se puder, dê passagem.
Gentileza gera gentileza.
O foda-se deve ser adotado para rebater o que vem de fora para dentro. Tudo que não te faz bem, que te agride frontalmente.
Tem gente que vem ao mundo para acabar com a paz alheia.
Precisamos aprender a dizer foda-se.
– Foda-se, vai cuidar da sua vida.
O foda-se é escudo. A capa invisível da Mulher-Maravilha. A leitura da mente dos super-heróis, o teletransporte para um lugar tranquilo, a viagem no tempo, a criptonita do Super-Homem, o martelo do Thor, a teia do Homem-Aranha, o cipó para cair fora do Tarzan, o cavalo branco do Fantasma, o chicote da Mulher-Maravilha, o batmóvel do Batman, o mar do Aquaman, o espinafre do Popeye, as canelas do Papa-Léguas, a gargalhada de quem ri por último do Muttley.
O foda-se é seletivo. Vai depurar o trigo dos amigos do joio dos desnaturados.
O foda-se repele vampiros sorridentes.
O foda-se, bem empregado, será seu grito de libertação.
O foda-se bem dito, bem pronunciado, na hora certa.
Fo-da-se!
Entre um infarto fulminante e um foda-se, prefira a segunda opção.
Entre uma úlcera nervosa e um foda-se, vai de foda-se.
Entre um Acidente Vascular Cerebral e um sonoro foda-se, aperte o foda-se e confirme.
Se afaste de quem não te quer por perto, de quem só te convida para velório e não te chama para festas ou um cafezinho na padaria. Nesse caso, foda-se.
A vida é uma balança que pende entre momentos de tristeza e felicidade.
Preste atenção para não sofrer tanto: ninguém é obrigado a se apaixonar por você quando você estiver perdidamente apaixonado. Aqui o foda-se, definitivamente, não cabe.
Seja racional onde a razão não cabe, se conseguir. Há oito bilhões de habitantes na Terra. Toque sua vida para frente. Ouça a sua estrela. Nem tudo que se afasta é perda.
O foda-se vale, no entanto, para aquela figura que gruda em você como um parasita existencial.
Não entende que a sua sintonia não é a mesma que a dela e, ainda assim, insiste na relação, mesmo que você já tenha deixado claro que não quer.
Não é não. Serve para mulher e homem.
Insistiu, foda-se.
Alguém, do nada, some. Você fica dias pensando onde pisou na bola. Repensa. Monta um mapa mental dos últimos cento e cinquenta encontros com quem desapareceu e nada. Nenhum indício aponta para o blecaute entre vocês.
Aí surgem duas possibilidades. Em ambas cabem o foda-se. O alguém resolveu seguir a vida ou a vida a levou para outros rumos tão repentinamente que ela não teve tempo de mandar um mísero WhatsApp para dizer que estava partindo para nunca mais.
Então, até nunca mais e foda-se!
É assim que alguém torna-se ninguém.
Discussão política, se não for de alto nível, foda-se.
O foda-se é para deixar falando sozinho quem não sabe conversar.
O foda-se deve ser acionado após esgotadas, exaustivamente, todas as possibilidades de entendimento.
Ele é a última bolacha do pacote, o último metro no fim da picada, o último suspiro da paciência. É o atestado de óbito, a cova e a pá de cal da relação.
Ninguém é obrigado a escutar o que não quer.
Se o mito alheio for para você um completo idiota, demente, retardado, repulsivo, abjeto, torpe, punguista, fingido, embusteiro e asqueroso, foda-se.
Se o bandido comprovadamente contumaz for um grande estadista na visão de outra pessoa, foda-se igualmente.
Você vive em um sistema democrático e republicano. O termo República vem do latim res pública, coisa pública. O dinheiro público arrecadado deve ser revertido para o povo. Na hora de votar pesquise bem seu candidato. Ao menor indício de deslealdade, mande um grande foda-se para ele.
Futebol, esportes, comida, cores, lugares, a mesma coisa. Foda-se. Cada um tem suas preferências, incluindo as sexuais.
Se seu melhor amigo te convidar para saltar de um bungee jumping sobre um penhasco sem fundo e você não quiser, acione imediatamente o foda-se.
O foda-se também salva vidas.
Vale também para se recusar a entrar no carro do motorista bêbado, fumar cigarro eletrônico que mata mais que insolação no deserto, andar na garupa de uma moto a 160 km/h, entrar para alguma seita ou religião de fanáticos. Foda-se!
Precisamos considerar a Teoria da Evolução de Charles Darwin. Sua geração não deveria, de acordo com evolução das espécies, cometer as mesmas cagadas que a minha – que não foram poucas.
Errar é humano, você já ouviu isso. Persistir no mesmo erro pode significar ligar o foda-se como um unabomber e se explodir por inteiro, estilhaçando tudo à sua volta.
O foda-se não é fugir da raia. É entender quem você é e assumir as responsabilidades pelas suas escolhas. É se respeitar, é impor limites. “Até aqui pode vir, daqui para frente não permito”.
Tentou ultrapassar sua linha pessoal, foda-se.
Há limite para tudo. Até a Terra exige respeito. A natureza, ao que tudo indica, iniciou um grande foda-se contra nós seres humanos. Emite claros sinais de que cansou de ser arruinada.
Se alguém disser que você não vai conseguir realizar o seu sonho, seja qual for, foda-se.
Só você conhece seu potencial. Acredite em você, mesmo que fique sozinho, o que dificilmente vai acontecer.
Quem te ama vai te apoiar se houver verdade no seu caminho, vai te compreender e nunca, em hipótese alguma, vai dizer foda-se para você.
Se o que vier a fazer não corresponder às expectativas seja lá de quem for, foda-se.
A vida é sua. Se atender às suas próprias expectativas, fodam-se os outros.
O foda-se não precisa ser dito ou gritado em praça pública.
O foda-se vai brilhar nos seus olhos na hora da decepção quando você for agredido.
Sem abrir a boca, será seu apelo silencioso por “me deixe em paz, por favor”.
Para quem se acha superior, com mania de grandeza, diga sem pestanejar: foda-se.
Para quem se acha inferior e sente pena de si mesmo, diga: foda-se você e sua baixíssima estima.
Para quem tem muito dinheiro e separa a humanidade entre os que têm e não têm muito dinheiro, foda-se.
Para quem é famoso e divide os humanos entre celebridades e anônimos, foda-se.
Para quem te encontra e finge que não te vê, foda-se.
Para quem te encontra, só fala de si mesmo e sequer pergunta como você está, foda-se.
Para o gordo feliz que não faz mal a ninguém, enquanto come sua feijoada, fodam-se os gordofóbicos.
Gordos são os olhos de quem vê maldade em tudo.
Fodam-se os moralistas e os falsos moralistas. Esses serão os piores tipos que você vai encontrar na vida.
Se alguém, algum dia, se aproximar e disser “sabe o que eu acho?” e o acho for sobre a sua vida, sem que você tenha perguntado, diga: foda-se o que você acha, achou ou vai achar. Procure em outro lugar.
Durante a sua vida você vai se deparar com todo tipo de idiota: letrados com doutorado, pós-doutorado, doutores em diversas áreas com síndrome de Deus, artistas, intelectuais, donos da verdade, desportistas.
A ignorância abrange todas as classes sociais e independe do grau de escolaridade. A todos esses e aos que não caberiam aqui por falta de espaço, empenhe seu fervoroso foda-se.
O foda-se deveria ser ensinado nas escolas a partir do primeiro ano do Ensino Médio.
A vida passa rápido demais.
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Paulo Renato Coelho Netto – é jornalista, pós-graduado em Marketing. Tem reportagens publicadas nas Revistas Piauí, Época e Veja digital; nos sites UOL/Piauí/Folha de S.Paulo, O GLOBO, CLAUDIA/Abril, Observatório da Imprensa e VICE Brasil. Foi repórter nos jornais Gazeta Mercantil e Diário do Grande ABC. É autor de sete livros, entre os quais biografias e “2020 O Ano Que Não Existiu – A Pandemia de verde e amarelo”. Vive em Campo Grande.