La Niña, a garota que vem do mar. Por Fernando Gabeira
By Chumbo Gordo 6 meses agoPUBLICADO ORIGINALMENTE EM O GLOBO E NO SITE DO AUTOR, www.gabeira.com.br, 27 DE MAIO DE 2024
Preciso avisar com ligeira antecedência, mas ela deve chegar a partir de julho. La Niña vem para derrubar momentaneamente o domínio patriarcal de El Niño.
Ambos são filhos dos ventos alísios que sopram com constância, mas às vezes são mais lentos ou mais rápidos. Quando são lentos, não conseguem levar as águas quentes para o lado asiático do Oceano Pacífico. Quando são mais rápidos, acabam esfriando a costa peruana.
Os pescadores peruanos chamam o primeiro fenômeno de El Niño porque aparece por volta do Natal. La Niña chega aqui entre julho e setembro e, às vezes, dura dois anos. Por que essa preocupação com avisar? Na verdade, é um hábito antigo.
Em 1997, o Congresso despertou para El Niño depois das grandes chuvas em Santa Catarina e da seca no Nordeste. Foi o primeiro grande debate sobre o tema. O relatório, ainda disponível no site do Senado, foi um dos mais completos documentos que temos em nosso idioma sobre o tema. A ideia era preparar o Brasil para esses fenômenos, usar a prevenção como instrumento de defesa.
Recentemente, o senador Esperidião Amin — assim como eu um remanescente daquela comissão — promoveu um novo encontro sobre El Niño, este que nos dominou agora e, provavelmente, ajudou a aumentar a intensidade das chuvas no Rio Grande do Sul. Foram muitas as ideias. Sugeri um apoio nacional às cidades na construção de sua defesa civil. Esperidião aceitou a sugestão de instituirmos um prêmio para aquela que apresentasse o melhor plano de defesa e a melhor estrutura para enfrentar essas crises climáticas.
As chuvas costumam chegar antes de nossas providências. No passado, tomamos Blumenau como exemplo de defesa civil. Desta vez, fiquei bem impressionado com o esforço de Santa Catarina, que mandou gente ao Japão e criou um centro de resposta inspirado nos japoneses. Claro que não podemos repetir mecanicamente o que foi feito nem nos tornaremos japoneses. Mas é uma ajuda.
Na semana passada, falei de novo com Esperidião para ver se conseguimos avançar em nosso modesto trabalho voltado à prevenção. Ele está na comissão que avalia os estragos no Rio Grande do Sul. Naturalmente, é prioridade agora falar da reconstrução e, se for o caso, realizar um grande debate sobre ela. O senador me enviou um material mencionando o movimento de arquitetos e urbanistas chamado BBB, sigla em inglês para Build Back Better (Construa de Novo Melhor), e creio que esse deveria ser o lema do trabalho que os gaúchos têm pela frente.
A situação é grave, a emergência climática não nos dá mais trégua. Falar em La Niña agora, quando ainda estamos removendo os escombros do desastre? Mas se não falamos com dois meses de antecedência sobre a possibilidade de chuvas intensas na Amazônia e no Nordeste e de secas no Sul, fica tarde demais para qualquer tipo de prevenção, por mais discreta que seja.
Alguma coisa mudou no planeta, e os aquecimentos no Rio Grande do Sul nos colocam diante de pautas que pareciam um pouco teóricas e vanguardistas. Sem grandes pretensões, estou me colocando como ajudante dos congressistas que quiserem aceitar essa tarefa gigantesca de adaptar o Brasil. Se há algo que pode nos unir para além das divergências políticas, é a sobrevivência diante do caos climático.