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Ex-palavras. Por Aldo Bizzocchi

… O abuso no emprego desse prefixo ex‑, que se distingue do ex‑ de exceder, excursão, excepcional, extensão, deve-se sem dúvida à péssima escolarização que a maioria dos brasileiros, aí incluídos os atuais jornalistas e estagiários de jornalismo, recebe…

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Publicado originalmente no site do autor

Volta e meia, leio no noticiário internacional coisas como “A Ucrânia, que no passado foi uma das repúblicas integrantes da ex-União Soviética…” ou “A Sérvia e a Croácia, ambas anteriormente pertencentes à ex-Iugoslávia…”. Isso me faz pensar que, a valer a lógica dos jornalistas — ou talvez dos estagiários de jornalismo que tomaram o lugar daqueles —, também deveríamos nos referir ao ex-Império Romano, à ex-Grécia Antiga, ao ex-Império Austro-Húngaro, ao ex-Reino da Babilônia e até quem sabe ao ex-Brasil Colônia.

O abuso no emprego desse prefixo ex‑, que se distingue do ex‑ de exceder, excursão, excepcional, extensão, deve-se sem dúvida à péssima escolarização que a maioria dos brasileiros, aí incluídos os atuais jornalistas e estagiários de jornalismo, recebe.

Enquanto o ex‑ de exceder, excursão, etc., indica movimento para fora (exceder = ultrapassar o limite, ir para fora ou além do máximo suportável; excursão = viagem para fora da cidade; excepcional = que está fora do padrão ou do esperado; extensão = ato de estender para fora ou além de um certo limite, e assim por diante), o ex‑ de ex-União Soviética, que mantém o hífen em todos os casos e, ao contrário do outro prefixo, se pronuncia sempre [es] e nunca [is], indica status ou condição que vigorou no passado, mas não mais vigora no presente. Esse é o ex‑ de ex-marido, ex-presidente, ex-diretor, ex-aluno, ex-atleta, ex-alcoólatra. Em todos os casos, a pessoa era algo que não é mais. Fica claro que esse prefixo — tecnicamente chamado de prefixoide — só se aplica a pessoas e não a países, exceto em casos em que o país tinha uma certa condição e deixou de tê-la. Por exemplo, “O Brasil é um país ex-escravagista” ou “O Iêmen é ex-exportador de petróleo”.

O que não faz sentido é usar o prefixoide ex‑ para se referir a algo ou alguém que deixou de existir. Senão, teríamos de dizer ex-Machado de Assis, ex-Ruy Barbosa, e assim por diante. A União Soviética existiu de 1917 a 1991; a Iugoslávia, de 1918 a 1992. O Império Romano começa em 27 a.C. e desaparece em 476 d.C. Todos esses Estados deixaram de existir, o que é muito diferente de um ex-marido, que, embora divorciado, continua vivo. O mesmo vale para ex-presidente, ex-diretor, ex-atleta, ex-aluno e ex-alcoólatra: todos deixaram de ter uma determinada característica (cargo, profissão, condição física, etc.), mas nem por isso morreram. Aliás, mesmo que tivessem morrido, não se tornariam ex-pessoas.

Por sinal, sempre considerei que um homicida que tenha cumprido integralmente sua pena de prisão e, juridicamente, não deva mais nada à Justiça ou à sociedade nem por isso pode ser tratado como um ex-assassino. Ele pode perfeitamente ser um ex-presidiário, mas jamais um ex-criminoso: se tiver alguma consciência, carregará essa culpa pelo resto da vida. Ou alguém está disposto a conviver com a Paula Thomaz, a Suzane von Richthofen, os Nardoni, os Cravinhos, o Roger Abdelmassih ou o Pimenta Neves como cidadãos normais?

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ALDO BIZZOCCHIAldo Bizzocchi é doutor em linguística e semiótica pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorados em linguística comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em etimologia na Universidade de São Paulo. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Etimologia e História da Língua Portuguesa da USP e professor de linguística histórica e comparada. Foi de 2006 a 2015 colunista da revista Língua Portuguesa.

Acaba de lançar, pela Editora GrupoAlmedina,

“Uma Breve História das Palavras – Da Pré-História à era Digital”

Site oficial: www.aldobizzocchi.com.br

e-mail: aldo@aldobizzocchi.com.br

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