Madonna, enchentes, arte e responsabilidade social. Por Meraldo Zisman
O ESPETÁCULO DE MADONNA E A
ENCHENTE NO RIO GRANDE DO SUL
(Uma Reflexão sobre Arte, Sofrimento e Responsabilidade Social)
A arte, em sua forma mais pura, transcende fronteiras, unindo corações e inspirando a perseverança. No entanto, em momentos de aflição, como durante inundações, a fruição de eventos grandiosos como um show da Madonna se torna complexa. Esse contraste gritante entre extravagância e sofrimento levanta questionamentos profundos sobre os valores sociais e as prioridades humanas.
É fundamental reconhecer que a dor e o sofrimento das vítimas de tragédias, como as enchentes, são incomensuráveis. Suas vidas passam a ser marcadas por desafios e muitas vezes se sentem desconectadas de um mundo que celebra o luxo enquanto elas lutam pela sobrevivência. Por isso, a ostentação da riqueza e do egoísmo em um espetáculo de proporções extraordinárias pode soar como uma ofensa à sua dor e luta diárias. E a decisão de realizar o show, sob a responsabilidade dos organizadores e da artista, implica no reconhecimento de contradições, como a disparidade social.
Lembro que a arte tem o poder de despertar a consciência e inspirar mudanças sociais, mas eventos como esse também evidenciam as divisões que permeiam nossa sociedade. Em vez de enaltecer exclusivamente a qualidade artística do espetáculo, é crucial questionar o direcionamento de recursos para a obtenção de energia e segurança, em auxílio daqueles que mais precisam. Em um contexto de crise, a priorização dada a um evento grandioso gera questionamentos sobre a sensibilidade social e a responsabilidade dos envolvidos.
Despertar a mobilização social e o apoio às comunidades afetadas não são ações apenas louváveis, mas sim essenciais. Cada um pode fazer a diferença por meio de doações, trabalho voluntário ou demonstração de empatia e solidariedade. Em tempos de crise, é crucial repensar nossas prioridades e reconhecer a importância de estender a mão ao próximo. A verdadeira arte não se limita ao entretenimento, mas sim à capacidade de inspirar conexões genuínas entre as pessoas e promover mudanças significativas na sociedade. Ela nos desafia a refletir sobre o que realmente importa e nos convida a construir um mundo melhor, quando utilizada como instrumento de transformação social, permitindo-nos transcender a superficialidade e nos unirmos em solidariedade.
Essa união transforma a esperança em ação concreta e a arte em um agente de mudança na sociedade. Será que Millôr Fernandes (1923-2012) tinha razão ao dizer: “inúmeros artistas contemporâneos não são artistas e, olhando bem, nem contemporâneos são“?
Cabe a cada um refletir sobre essa questão e o papel que a tal da Arte deve desempenhar em nossa sociedade, especialmente em momentos de sofrimento e necessidade como este que estamos agora vivenciando.
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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Alvaro Ferraz.
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