ORBIS

Mapa-múndi de Nicolaes Visscher, 1658

Orbis terrarum novissima tabula in Brasilia facta. Por José Horta Manzano

… No ano de 1658, o cartógrafo e editor holandês Nicolaes Visscher publicou um planisfério de sua autoria intitulado “Orbis terrarum nova et accuratissima tabula” – Mapa novo e exato do globo terrestre…

orbis
Mapa-múndi de Nicolaes Visscher, 1658
 Artigo publicado no Correio Braziliense e no blogue do autor

No ano de 1658, o cartógrafo e editor holandês Nicolaes Visscher publicou um planisfério de sua autoria intitulado “Orbis terrarum nova et accuratissima tabula” – Mapa novo e exato do globo terrestre. O mapa, que mostra nossa Terra distribuída por dois hemisférios, é verdadeira obra de arte, com cenas mitológicas desenhadas nos quatro cantos da folha. Os dizeres são em latim, que ainda era a língua das obras sérias, não destinadas ao povão, mas a um público culto.

É interessante notar que a porção de cartógrafo que mais tarde viria a ser nosso país é a terra mais central do globo. Aparece em destaque, bem no meio do mundo. Europa e América do Norte se encontram distantes do meridiano central. É compreensível que Visscher tenha decidido retratar dessa maneira o mundo então conhecido. À época, muitas terras situadas na região do Oceano Pacífico ainda estavam por descobrir, o que possibilitou ao cartógrafo amputar parte do Japão e da Austrália, regiões mal conhecidas que acabaram ficando fora do mapa. Hoje, nenhum profissional sério faria mais isso.

Duas semanas atrás, o IBGE revelou ao grande público, com estrondo, sua mais recente façanha: um mapa-múndi que, enfim, coloca o Brasil no lugar que lhe é devido – no centro do mundo! Nas palavras de Doutor Pochmann, diretor do Instituto, o costume de desenhar o planisfério com o Meridiano de Greenwich no centro não passa de “projeto eurocentrista de modernidade ocidental”. São palavras panfletárias, distantes do processo científico. Na Ciência de verdade, projetos diferentes não se excluem, se complementam.

Assim mesmo, vamos admitir que o tal “projeto eurocentrista de modernidade ocidental” existe e que o Meridiano de Greenwich são suas impressões digitais. Ainda assim, será ingenuidade acreditar que o fato de o Brasil impor a seus estudantes um planisfério em que o meridiano central foi empurrado com o cotovelo vá influir nos desígnios do planeta. A Terra vai continuar a girar e o Meridiano de Greenwich continuará aparecendo no centro dos mapas-múndi que não forem impressos pelo IBGE. Eis aí o tipo de protesto naïf e inútil, que só vai servir para confundir a cabecinha de nossos estudantes, que terão mais dificuldade em entender por que razão esse meridiano foi escolhido para iniciar a contagem das 24 horas do dia.

O alvoroço gerado pela publicação do novíssimo Atlas Geográfico Escolar do IBGE destoa da seriedade do objeto. Um atlas é coleção de conhecimentos, uma enciclopédia sócio geográfica que tem direito a ser lançada com a reverência e o recato que lhe são devidos.

Nosso cartógrafo holandês do século XVII até que tinha direito de omitir terras ainda não exploradas. Tinha também o direito de cortar as terras distantes e pouco conhecidas em dois pedaços, aparecendo um de cada lado do planisfério. Nosso IBGE, herdeiro de 150 anos de tradição de seriedade, não tem mais esse direito. Quando preparamos um mapa do Brasil, toda a atenção tem de estar focada no Brasil, evidentemente. Já quando desenhamos um mapa-múndi, nosso horizonte tem de se alargar. Além do Brasil, temos de cartografar também o resto do mundo. Se não temos capacidade de fazer isso certinho, é melhor desistir e importar planisférios já prontos.

O Novíssimo Atlas Escolar do IBGE peca em diversos aspectos. Com o deslocamento do Meridiano de Greenwich de 30 graus a leste, a Austrália aparece cortada em dois pedaços. A China e a Rússia idem. O mesmo vale para a Indonésia. Detalhe: como integrantes do G20, nenhum desses 4 países há de apreciar a travessura de nossa Novissima Tabula. Tem mais: o Canal da Mancha é descrito como “Estreito de Dover” enquanto o Estreito de Malaca aparece como “Estreito de Málaca”. Outra pérola: as Ilhas Falkland (Malvinas), território britânico, são unilateralmente atribuídas à Argentina.

Numa prova de inconsistência, a “arte de deslocar o Brasil para fazê-lo entrar à força no centro do mundo” não contaminou toda a coleção de mapas-múndi guardados no site do IBGE. De meia centena de planisférios, somente uma meia dúzia foram redesenhados conforme a novíssima versão. Os demais continuam mostrando Greenwich no centro do mapa. Parece que nem o IBGE acredita em sua própria mágica.

No centro do mundo não se entra pela janela nem pela porta dos fundos. Se um dia o Brasil chegar lá, terá que passar pela porta da frente. E ser recebido com dupla ala de guardas de honra, emplumados e engalanados.

IBGE- Orbis
O tal Novíssimo Atlas Escolar do IBGE: o Brasil no centro do Mundo?

_________________________

JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

______________________________________________________________

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter