entendem de amor

Joca, ainda bebê...

Eles entendem de amor. Por Laurete Godoy

Entendem de amor… Enquanto o ar de desamparo pairavam no ar, Mia caminhou em passos leves para perto de Joca, deitou-se ao lado dele e, carinhosamente, colocou sua pata direita em volta do pescoço do amigo que, como ela, também estava com a tristeza pulando fora dos olhos…

entendem de amor

 ( Dedicado ao Joca, morto por incompetência da companhia aérea que o transportava – abril de 2024)

 Lila era a mais velha dos três e estava quase chegando aos 11 anos. Castanha, compleição mediana, barulhenta, brincalhona, participava da rotina da casa com alegria.

Joca é grandão, mais claro que a Lila e quando a via em meio à folia intrometia-se, empurrava a coitada e, com todo aquele tamanhão, sempre levava vantagem. Acho que era respeitado por causa da linhagem aristocrática. Eram inseparáveis, apesar de algumas desavenças. Ele não podia vê-la quieta, que ia provocá-la. Afinal, Joca é uma criança, vivendo as traquinagens dos seus quatro anos. Chegou pequenino, recebeu os cuidados maternais de Lila enquanto isso foi possível e, com o tempo, tornou-se bem maior do que ela. Lila, uma charmosa street dog, e Joca um bonito Golden Retriever.

Entre eles, estava a silenciosa Mia. Com apenas um ano de idade a gatinha não é thai, angorá, persa ou siamesa. Provavelmente seja uma street cat, mas possui a elegância de suas aristocráticas irmãs.

Pois bem… Os três viviam uma vida feliz. Amados e acarinhados pelos donos da casa e por todos que a frequentassem. Lila, Joca e Mia, um trio alegre e bem entrosado.

       Lá um belo dia a Lila adoeceu. Doença grave não dá trégua, apesar dos zelos e tratamento. O tempo foi passando e, em um dia de fevereiro, Lila acompanhava Luciana por todos os cantos da casa. Até que decidiu ficar na sala. E foi ali, na sala onde ela tanto brincava com seus companheiros, que Lila deixou de viver.

A partir daí, Joca e Mia protagonizaram cenas emocionantes e repletas de carinho.

Chegaram mansamente, sem fazer barulho, para não acordar a amiga. Joca esparramou seu corpo grandão repleto de lindos pelos cor de mel, colocou a cabeça entre as patas e, em silêncio, ficou velando aquela que há quatro anos o recebera como filho. Olhava longamente para Lila e desviava o olhar, como que procurando respostas.  Mia pulou em uma cadeira bem próxima e, de lá, olhava carinhosamente para Lila. Vivenciaram os dois, Joca e Mia, uma incrível cena de amor e respeito pelo que acabara de acontecer com a companheira. Eles entenderam que o coração de Lila estava parado. Ela não iria mais participar de brincadeira com eles. O momento era solene e triste, por isso Joca e Mia estavam tão calados.

Porém, o mais surpreendente estava por acontecer. Quando Lila foi retirada, ficaram os dois na sala, olhando em volta, olhar vazio, como que faltando coragem para fazer alguma coisa. Enquanto o ar de desamparo pairavam no ar, Mia caminhou em passos leves para perto de Joca, deitou-se ao lado dele e, carinhosamente, colocou sua pata direita em volta do pescoço do amigo que, como ela, também estava com a tristeza pulando fora dos olhos. E ali ficaram os dois, por longo tempo, unidos por aquele solidário abraço. Joca, um enorme Golden Retriever e Mia uma pequena street cat.

Quem assistiu à surpreendente cena, não conteve as lágrimas. Não as contiveram também, as pessoas que ouviram a descrição desses fantásticos fatos.

E, por certo, todos chegaram à mesma conclusão: embora sejam considerados irracionais, realmente, JOCA E MIA TRANSMITIRAM UMA LINDA E EMOCIONANTE LIÇÃO DE AMOR…       

   São Paulo, 28 de janeiro de 2021.

                      _________________________    

Laurete Godoy

Laurete Godoy  Escritora e pesquisadora. Autora de Brasileiros voadores – 300 anos pelos céus do mundo. 

 

   

9 thoughts on “Eles entendem de amor. Por Laurete Godoy

  1. Prezada Laurete. Até por passear meio raramente por aqui, só hoje li esse teu artigo tão encantador. Ao lê-lo, me emocionei e me comovi. Minha mulher, que o lera antes de mim, advertiu : « cuidado, é lindo, pleno de ternura ; vai te fazer verter muita água… » Li. E verti… Temos seis cãezinhos. Pequenininhos. Pomerânias. São uma família, a nossa – que também conta com nossa filha e nossa netinha. Entre a Pomerânia mais velha e o mais novinho, há uma diferença de 14 anos, se a memória não me trai. Deixe-me também te contar uma história. Há pouco mais de 5 anos foi a vez de meu querido pai nos deixar. Cumpridas as formalidades das cerimônias de despedida, minha mulher, minha filha e eu voltamos para casa. Sentíamo-nos cansados fisicamente, e destruídos, espiritualmente. Nossos cãezinhos nos esperavam ansiosos. Ao contrário do que sempre ocorria, porém, nesse dia nenhum deles fez festinha ao nos receber, nenhum deles latiu ou pulou em nossas pernas solicitando afagos. Estavam apenas tristonhos, quietos, respeitosamente curiosos com nossa cena de lamentação. Minha filha pegou Ingrid no colo (sempre houve uma relação preferencial entre elas ; uma sempre procurava a outra primeiro) e lhe fez um longo cafuné seguido de um beijinho na orelhinha. Agachei-me, acarinhei todos eles um pouco, e minha mulher, em seguida, fez o mesmo. Por fim, recolhemo-nos a nosso dormitório. Um deles, que não aceitou a porta que queríamos fechar, forçou-a e enfim, dada sua insistência, o deixamos entrar. Era o Tico, patriarca da família canina (hoje habita o céu dos cachorros). Ele pulou pra cima de nossa cama, sentou-se comportado, observador atentíssimo da gente, e esperou pacientemente até que eu e minha mulher fizéssemos o mesmo. Precisávamos muito de descanso. Uma vez que já estávamos deitados, Tico começou a dar voltas em nós, de todos os jeitos possíveis, até que enfim encontrou a posição que queria : entre mim e minha mulher. Começou aconchegando seu focinho à altura de nossas cabeças, sua respiração calma e quente, suas orelhinhas irrequietas, num ponto em que, em íntimo contato físico conosco, podia nos oferecer o calor, o afeto e a solidariedade de que tanto precisávamos. « Tamo junto », é o que ele queria nos dizer. Como a porta do quarto ficara entreaberta, não demorou e o resto da parte canina da família acabou por repetir o exemplo do mais velho. Todos subiram à cama, aninharam-se entre nossos corpos, e foi assim que, pela primeira vez, todos eles passaram um período inteiro sobre nossa cama sem que um único latido ou movimento brusco nos tirasse do sono que rapidamente nos tomou. Família que adormece unida permanece unida, suponho. Nenhum deles se distanciou de nossos corpos a ponto de deixar de nos tocar, e nenhum deles incomodou nosso descanso – coisa que, para quem conhece Pomerânias, deve soar meio surrealista. Quando despertamos, umas tantas horas depois, os bichinhos continuavam ali, quietinhos, todos acordados guardando nosso sono. Já passava da hora de sua ração, mas mesmo assim nenhum deles se pôs a reclamar – em dias normais, uma falta desse tipo nos renderia muito, muito barulho em casa. Sim, eles entendem o que é amar. Entendem respeitar, entendem alegrar, entendem nos incentivar, nos reanimar, entendem nos entender. Sabem quando precisamos deles. E sabem o que fazer nessas horas. Não vou dizer que são tão ou mais humanos que nós. Sinceramente, não sei se isso seria elogioso para eles.

    Em tempo. O que ocorreu ao pobre Joca, pelo que pude ler na internet, é mais que incompetência. Incompetência também existiu, aliás em farta quantidade, porém, mais que isso, Joca foi desprezado, desrespeitado, assassinado. Não apenas pelos funcionários da empresa aérea que o despacharam como se despacha uma coisa, assumindo o risco de matar um cão cujo veterinário atestara para ele um período máximo de 2 horas de voo, mas também por sua própria família, que nunca – nunca! – deveria postá-lo num avião, sozinho, assustado, como se objeto inanimado e sem direitos fosse. Sim, a família deve hoje se sentir imensamente triste. Se fosse cachorro meu a morrer assim, eu hoje desejaria morrer também. Mas que fique claro : se é realmente imprescindível, por circunstâncias incontornáveis, que se exponha o cão a esse desgaste físico e a esse stress emocional, há outros meios de levá-lo numa viagem, seja num veículo utilitário esportivo, seja numa van espaçosa, com ainda mais conforto, seja de trem, sempre em companhia de algum familiar numa viagem que pode até levar mais de um dia, parando de noite em pousadas ou hotéis, e assim se preservaria sua integridade física e emocional, além, claro, de sua vida. Nesta história macabra, horrorosa, verdadeiramente cruel, que tem Joca como vítima indefesa, todos os envolvidos merecem nota zero. Joca por certo não merecia isso. Nenhum cão merece. Ter em casa, respeitar e amar um cão pressupõe que não se o trate como bagagem! Será que é difícil entender isto ?

    Parabéns pelo belo texto. Meus cãezinhos e eu agradecemos.

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