Alguma coisa além de Musk. Por Fernando Gabeira
By Chumbo Gordo 7 meses ago(ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O ESTADO DE S. PAULO, E NO SITE DO AUTOR,www.gabeira.com.br, EDIÇÃO DE 12 DE ABRIL DE 2024)
O choque entre Elon Musk e Alexandre de Moraes apenas começou, mas tem o potencial de se transformar numa Batalha de Itararé, célebre por não ter acontecido.
Musk prometeu liberar contas proibidas no X e divulgar a correspondência com Moraes, para demonstrar que o ministro não respeitou a lei. Por sua vez, Moraes decidiu investigar Musk no inquérito das fake news e prometeu multas pesadas à plataforma do empresário.
Musk não avançou inicialmente na sua denúncia sob o argumento de que não queria expor seus funcionários no Brasil. Ocorre que, funcionando no Brasil, não tem condições de remeter os processos para os EUA. Em outras palavras: ou tem funcionários aqui e os expõe com suas decisões sobre contas brasileiras ou fecha o escritório no Brasil.
Musk lança foguetes, produz carros elétricos, instala a internet no coração da Floresta Amazônica. Sua biografia inspira gritos de Caramuru, Caramuru. No entanto, o conflito com Moraes acaba mascarando problemas de dimensão planetária, como, por exemplo, a regulamentação das redes sociais.
Há um embate entre governos democráticos e as grandes plataformas. A Alemanha conseguiu aprovar uma lei e, recentemente, a Escócia aprovou um ato contra o discurso de ódio, muito discutido no mundo inteiro e que, certamente, desagradou Musk.
Infelizmente, o enlace entre Musk e a oposição brasileira torna difícil a aprovação de um projeto desse tipo no Brasil, apesar de a aparição do bilionário no cenário político nacional ter tornado o tema mais urgente.
… Tudo se passa como se fosse apenas um confronto do Supremo Tribunal Federal (STF) ou mesmo de um só ministro do STF com toda a oposição. A defesa da democracia não se pode basear apenas nesse aspecto parcial.
As grandes plataformas estimulam o medo de censura nos projetos de regulação e a extrema direita se apega a isso para resistir a algo que poderia ser bom para todos.
Para que isso aconteça, seria necessário um processo amplo de discussão, e, infelizmente, não há clima no momento.
Outro problema que a súbita aparição de Musk colocou é a percepção da qualidade da democracia no Brasil. Faz algum tempo que a direita insiste, nos EUA, em defender a tese de que o país vive uma ditadura mascarada, com inúmeros ataques. A experiência mostra que campanhas desse tipo no exterior tendem a ganhar simpatia, sobretudo se não se divulgar que tipo de expressão que foi reprimida.
Digamos que uma coisa é afirmar que sua liberdade de crítica foi criminalizada, outra é dizer que você não aceitou as eleições, monitoradas interna e internacionalmente, e incitou os generais a darem o golpe e inverterem o resultado das urnas.
Neste caso, a democracia rejeitou as teses de derrubada da democracia, isto é, cuidou de sua autopreservação.
Não tem sentido um país com corpo diplomático e tantos recursos de comunicação simplesmente fingir que não está ouvindo as tentativas de mobilização de parlamentares estrangeiros, as entrevistas na televisão, enfim, deixar de dar resposta aos que questionam.
Tudo se passa como se fosse apenas um confronto do Supremo Tribunal Federal (STF) ou mesmo de um só ministro do STF com toda a oposição. A defesa da democracia não se pode basear apenas nesse aspecto parcial.
Isso porque caímos num campo em que há, ainda, fragilidade. Contas são suspensas nas redes sociais, pessoas são impedidas de seguir participando do debate, sem que haja transparência nas decisões.
Para enfrentar o debate sem que a extrema direita avance numa ofensiva internacional, é preciso que o governo de frente democrática assuma as rédeas de sua própria defesa e que o próprio STF, cada vez que tomar uma medida restritiva, a comunique com a transparência necessária.
A adesão de Elon Musk ao discurso da extrema direita brasileira significa uma espécie de boia num momento em que seu líder parece afogar numa série da processos que vão desde vacinas falsas à tentativa de golpe de Estado.
Ninguém pode se espantar com a tática de vitimização que está sendo desenvolvida no exterior, principalmente nos EUA. Sempre foi assim, é uma das armas que a oposição usa, seja de direita ou de esquerda. O problema central é como encarar essa tática, respondê-la com tranquilidade e firmeza e nunca oferecer mais argumentos para a vitimização.
Se o centro do debate for entre a justiça e a oposição, esta sempre tentará tensionar a corda à espera de argumentos que possam confirmar sua tese. Naturalmente que crimes contra a democracia têm de ser punidos, mas é necessário também distinguir o que é apenas provocação, aquilo que pode ser respondido com inteligência e ironia.
O episódio Musk mostra como várias iscas serão lançadas – aliás, já estão sendo lançadas cotidianamente. O clima de polarização facilita reações emocionais e as pessoas têm um genuíno orgulho de duelar verbalmente com o adversário.
Considerando todas as circunstâncias, sangue frio e análise política farão muita falta nesta onda de provocações que deve aumentar, inclusive diante das dificuldades de um governo que ainda não se encontrou completamente. É preciso se preparar, daqui a pouco chegam as eleições americanas e o resultado pode nos colocar novos desafios.
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Fernando Gabeira*– é escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro. Atualmente na GloboNews, como comentarista. Foi candidato ao Governo do Rio de Janeiro. Articulista para, entre outros veículos, O Estado de S. Paulo e O Globo, onde escreve às segundas. Programas especiais – reportagens – para a GloboNews. Semanalmente, o podcast Fala, Gabeira! – no YouTube – https://www.youtube.com/@falagabeira2980
Saudades do tempo em que a esquerda defendia a liberdade
Ouvir trela de um país que pode eleger, e talvez ter, presidente condenado por crime fiscal, eleitoral e contra a segurança interna? É sério? Vamos mesmo baixar a cabeça? A declaração dos advogados do faker (gostou do neologismo?) tramp (não houve erro de digitação) que mentir faz parte do processo eleitoral explica-me muitas coisas; se o faker tivesse ocupado cargo público ou privado portando documento falso (fake) seria preso, já mentir para conseguir um cargo é diferente?