Refúgio na embaixada. Por José Horta Manzano
… Neste fim de semana, de repente, estoura a notícia de que a polícia do Equador invadiu a embaixada do México em Quito para recuperar um cidadão equatoriano que lá se encontrava.
Quando me inteirei do que tinha acontecido na noite de 5 para 6 de abril na embaixada do México em Quito (Equador), me lembrei de Jószef Mindszenty, o cardeal húngaro que passou 15 anos na embaixada dos EUA em Budapeste, de 1956 a 1971.
O prelado, ao mesmo tempo antifascista e anticomunista, conseguiu a façanha de irritar todos os tipos de governo que a Hungria teve ao longo de anos (os pró-Hitler e os pró-Stalin). As temporadas que passou na prisão não foram suficientes para fazê-lo renunciar a suas convicções.
Um dia, aproveitou uma liberação temporária da cadeia onde cumpria pena de prisão perpétua e solicitou asilo à embaixada americana em Budapeste. Foi acolhido e passou a viver no imóvel da representação diplomática. Permaneceu lá à espera de ser liberado para transferência para os EUA. Mas os anos se passavam e a solução para seu caso não vinha.
Foi só depois de 15 anos de espera e muita negociação entre a Hungria comunista, os Estados Unidos, a Áustria e o Vaticano que o cardeal conseguiu autorização para viajar para Viena (Áustria), onde viria a se instalar, falecendo 4 anos mais tarde, aos 83 anos.
Não vamos esquecer que, naqueles tempos sombrios, a Hungria vivia sob a tutela de Moscou e amargava um rigoroso regime comunista. Assim mesmo, apesar do pouco respeito que se dava então aos direitos humanos, as forças policiais húngaras nunca ousaram forçar a inviolabilidade da representação diplomática. Policiais vigiando em roda do edifício da embaixada americana, é certo que havia. Mas nenhum jamais tentou arrombar a porta.
Neste fim de semana, de repente, estoura a notícia de que a polícia do Equador invadiu a embaixada do México em Quito para recuperar um cidadão equatoriano que lá se encontrava. Esse cidadão, que foi vice-presidente do Equador, tinha procurado abrigo na embaixada meses atrás para escapar da cadeia.
Segundo convenções internacionais (e segundo o bom senso) toda missão diplomática de um país no estrangeiro é considerada juridicamente território nacional desse mesmo país. Sua sede é inviolável. Violar intencionalmente uma representação diplomática equivale a invadir o território nacional do país ali representado. É ato de extrema gravidade, verdadeiro casus belli – motivo suficiente para declaração de guerra.
Nosso ex-presidente sabia disso quando entrou na embaixada da Hungria em Brasília para solicitar asilo diplomático – refúgio que, em 48 horas, lhe foi negado. Se seu pedido tivesse sido aceito, sua permanência ali havia de criar uma dor de cabeça para os governos húngaro e brasileiro. Mas Bolsonaro deu com os burros n’água, o que lhe arrefeceu os ânimos. Vai pensar duas vezes antes de entrar noutra embaixada.
O eco da selvageria cometida pelo Equador foi planetário. Missão diplomática é santuário, todos os países concordam. Como é que o pequeno Equador ousou cometer tamanha irresponsabilidade? A reação dos países não se fez esperar.
O México, país agredido, cortou na hora suas relações diplomáticas com o Equador; seu pessoal diplomático deixou o país no dia seguinte, domingo, no primeiro voo comercial. A Nicarágua de Ortega emulou o México e também anunciou a ruptura de suas relações com o Equador. Os demais latino-americanos reprovaram a violência contra as convenções internacionais.
Até o Brasil, que, nestes tempos lulopetistas, tem ficado frequentemente em cima do muro, soltou uma nota bastante dura contra a atitude equatoriana. Notas de condenação foram emitidas por chancelarias tão diversas como: Cuba, Chile, Venezuela, Argentina, Bolívia, Panamá, Costa Rica.
Não sou amigo do Bolsonaro, mas aproveito o espaço para mandar-lhe um aviso.
Prezado ex-presidente,
Se ainda lhe passar pela cabeça mendigar asilo em embaixada estrangeira, recomendo-lhe evitar o Equador. Essa mancada que acabam de dar ao invadir a embaixada do México não é a primeira na história recente do país. Há pelo menos um grave precedente.
Vosmicê deve se lembrar que, tempos atrás, deram refúgio a Julian Assange na embaixada equatoriana em Londres, não lembra? Pois é, depois de abrigar o asilado durante sete anos, um belo dia avisaram que a autorização de permanência tinha vencido e não seria renovada. Ao fim e ao cabo, o infeliz hóspede teve de deixar a embaixada e se entregar à polícia inglesa, que o levou para uma prisão de segurança. Está lá há vários anos.
Portanto, risque o Equador de sua lista, Seu Jair. De toda maneira, embaixada é cumbuca furada. Papuda é lugar mais tranquilo, acredite.
Saudações
Nós, que não estamos fugindo da polícia, vamos hoje parando por aqui.
_________________________
JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
______________________________________________________________