Bolsonaro já está preso. Por José Horta Manzano
… Jair Bolsonaro vive atualmente na situação em que Assange vivia antes do asilo na embaixada. Em outras terras, com todas as acusações que lhe pesam sobre a cabeça, o capitão já estaria encarcerado à espera de julgamento…
Julian Assange é cidadão australiano residente na Inglaterra. Em 2012, passou a ser procurado pela justiça americana por estar envolvido no rumoroso caso Wikileaks. Para escapar a uma extradição capaz de lhe valer mais de um século de prisão, refugiou-se na embaixada do Equador em Londres.
Ficou sete anos na representação diplomática, dormindo num cubículo, sem sair jamais, sem sequer ver a luz do sol. Só não embranqueceu de vez por ter à mão uma lâmpada bronzeadora facial. Só não travou das pernas por ter conseguido uma esteira.
Um dia, o Equador anulou o asilo diplomático e expulsou Assange. Diante da porta, o rapaz foi acolhido (e colhido) pela polícia inglesa. Desde então, ele curte as delícias da prisão londrina de Belmarsh, uma das mais rigorosas do reino. Está no aguardo de uma provável extradição para os EUA. No total, já passou doze anos de vida de prisioneiro – ainda sem julgamento, sublinhe-se.
Jair Bolsonaro vive atualmente na situação em que Assange vivia antes do asilo na embaixada. Em outras terras, com todas as acusações que lhe pesam sobre a cabeça, o capitão já estaria encarcerado à espera de julgamento. Nossa justiça é menos rigorosa que outras, razão pela qual ele ainda está solto.
Solto, sim, mas não mais senhor de seus movimentos. Está sem passaporte, com restrições de deslocamento e… monitorado (esta parte não se põe por escrito). Discretamente, a PF há de estar a par de seus menores deslocamentos. Sabem onde está, a que horas chegou, a que horas saiu, o que veio fazer, onde dormiu, com quem se comunicou, essas minúcias.
Eis por que é errado dizer que Bolsonaro está livre. Livre de verdade, como qualquer um de nós, ele não está. Você e eu, se tivermos amanhã a vontade (e condições econômicas) de viajar para Israel, marcamos a passagem e vamos. Já o capitão não pode. Aliás, ele pediu estes dias a Alexandre de Morais licença para embarcar para Tel Aviv. A autorização pode até ser que venha; por enquanto, não veio.
Na verdade, Bolsonaro está num limbo entre cidadão livre e prisioneiro. O andamento dos processos que lhe pesam sobre os ombros é que decidirá de que lado ele vai cair: do lado do cidadão livre ou do outro.
Se o ex-presidente tentar de novo e obtiver asilo numa embaixada (como já tentou em fevereiro), vai pular da panela pro fogo. Vai seguir o exemplo de Julian Assange. Periga passar um bom tempo lá dentro, vivendo num cubículo, comendo quentinha ou miojo, sem ver a luz do sol, à espera de que a situação se decante. Isso pode durar meses, anos.
À porta da embaixada estará sempre estacionado um carro descaracterizado com uma duplinha de federais. Deixar a embaixada num porta-malas? Nem pensar! Se o embaixador permitisse isso, perderia o emprego e era capaz de terminar na cadeia. Além de abrir uma grave crise diplomática entre seu país e o Brasil. Não, o capitão não sairia de lá.
Portanto, Seu Jair, asilo em embaixada, melhor esquecer. Vosmicê devia ter aproveitado o turismo que fez em Orlando para negociar asilo em algum país, não na embaixada, no país mesmo. Não fez? Bobeou, dormiu no ponto.
Na situação atual, o que lhe resta é esperar tranquilo, enfrentar os processos. Em caso de encarceração, ninguém vai mandá-lo para o Complexo de Gericinó, no meio de seus amigos milicianos. Vosmicê vai ocupar uma suite confortável na Papuda, com direito a lâmpada solar e esteira. Vai ficar alguns anos, mas certamente menos do que teria de ficar no quartinho da embaixada.
Tranquilo, pois! Tome um chá de camomila e aguente firme. Vale a pena.
Observação
Na ilustração, pus uma embaixada de Cuba de propósito. Não é gozação. É porque acredito que, caso se asilasse em Cuba, Bolsonaro teria recepção e tratamento de primeiríssima. Imagine o orgulho dos bondosos dirigentes da ilha, de poder mostrar ao mundo que, entre quase 200 países e territórios, o capitão escolheu o país deles!
O espanhol se aprende facilmente em Havana, cidade de garotas estupendas, onde, para um homem de olhos azuis e 1m85, em cada esquina “pinta um clima”.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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