THC2

THC2: um assunto que atormenta o fluxo de internalização de cargas em contêineres no Brasil

USUPORT - Associação de Usuários dos Portos da Bahia Blog - THC2 traz caráter anticompetitivo à RN ANTAQ n 34/2009, aponta ME

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM 22 DE MARÇO DE 2024, JOTA. INFO

No último dia 5 de março teve início perante o STJ o julgamento de um recurso envolvendo a tal THC2. Poderia ser apenas mais um fato corriqueiro, até porque foram várias as oportunidades em que o STJ decidiu recursos sobre o assunto. Mas desta vez foi diferente: pela primeira vez em 24 anos de disputa uma Ministra se propôs a examinar o mérito dessa discussão, com o espírito de colocar uma pá de cal em um assunto que atormenta o fluxo de internalização de cargas em contêineres no Brasil.

Para entender a importância desse julgamento, é imprescindível voltar ao final da década de 1990, quando os operadores portuários de Santos, já privatizados, descobriram que por meio de uma interpretação forçada e conveniente do seu contrato com o Poder Concedente podiam impor cobrança de preços abusivos, sem lastro em contratos, sem autorização legal, pelo simples fato de que tinham o controle dos contêineres desembarcados dos navios. Assim, se algum importador quisesse que a carga fosse nacionalizada em qualquer outro Recinto Alfandegado, os Operadores Portuários cobravam uma espécie de “pedágio extorsivo” para liberar os contêineres – como se o passageiro tivesse que pagar também pelo ônibus para chegar no avião com embarque remoto. Com isso, poderiam cogitar do envio de mensagens aos importadores dizendo: se vocês armazenarem e nacionalizarem a carga comigo fica mais barato!

Os Operadores criaram a THC2. Fizeram isso porque podiam. Tinham poder para isso.

Defesa, sem intimidação.

Os recintos alfandegados não se intimidaram. Reclamaram ao CADE que, durante os 24 anos em que se deparou com o assunto, em todas as 13 oportunidades, disse que a THC2 é ilegal. Nunca o Colegiado do CADE, que representa institucionalmente o órgão, disse algo diferente. Mas a ANTAQ não pensava assim. Apesar de um posicionamento inicial em 2003 pela ilegalidade da cobrança, mudou seu entendimento e em 2012 e passou a editar Resoluções legitimando a cobrança criada pelos Operadores Portuários. Muitas foram as judicializações do assunto e ora os Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais se manifestavam pela ilegalidade da cobrança, ora diziam que se a ANTAQ autorizava, estaria tudo bem cobrar.

Os recintos alfandegados não se intimidaram mais uma vez. Reclamaram ao TCU contra o posicionamento da ANTAQ. Ao longo das discussões, os diretores da ANTAQ chegaram a ser sancionados pelo TCU por vícios da regulação que favorecia os Operadores Portuários. Tais Diretores da ANTAQ então contrataram o competente patrono dos Operadores Portuários como seus advogados que, com habilidade, retirou a sanção imposta aos Diretores. Mas isso não fez com que o Tribunal de Contas afastasse sua opinião sobre a ilegalidade da THC2. Em 2022, o TCU finalmente suspendeu tal cobrança espúria em todo o território Nacional.

… os Operadores Portuários cobravam uma espécie de “pedágio extorsivo” para liberar os contêineres – como se o passageiro tivesse que pagar também pelo ônibus para chegar no avião com embarque remoto… 

Assim fez em boa hora, porque o Ministério da Economia também entrou no debate e, em um profundo Estudo sobre o tema, afirmou que a THC2 causa um prejuízo ao Custo Brasil da ordem de R$ 1 bilhão ao ano. Era preciso mesmo expurgá-la de uma vez por todas.

A decisão do TCU ainda não é definitiva. Contra ela, a associação dos Operadores Portuários impetrou um mandado de segurança ao Supremo Tribunal Federal. Tal ação teve a liminar negada e, na véspera do seu julgamento definitivo – literalmente a véspera, com caso pautado e pronto para ser examinado –, a associação desistiu da impetração. A mídia chegou a afirmar que havia um “pressentimento de derrota” dos Operadores. Ninguém jamais saberá o motivo dessa desistência: se foi um ato de estratégia ou covardia. De qualquer forma, ainda pende um recurso administrativo da ANTAQ contra a decisão do TCU.

… o voto da Ministra Regina Helena afirmou a ilegalidade da THC2. Para tanto, a relatora foi precisa em afirmar que a ANTAQ efetivamente pode regular “em tese” a matéria, mas isso jamais afasta a análise feita pelo CADE em duas décadas sobre a ilegalidade da THC2…

E aqui, finalmente, reside a importância do julgamento que teve início no dia 5 de março de 2024. A THC2 foi judicializada, mas nunca o órgão de vértice do Poder Judiciário na análise da uniformização da lei — o STJ — havia se pronunciado a respeito.

Na sessão de julgamento do dia 5, dois importantes players da Zona do Porto de Santos antagonizavam posições. O CADE e a ANTAQ também participaram do processo. E o voto da Ministra Regina Helena afirmou a ilegalidade da THC2. Para tanto, a relatora foi precisa em afirmar que a ANTAQ efetivamente pode regular “em tese” a matéria, mas isso jamais afasta a análise feita pelo CADE em duas décadas sobre a ilegalidade da THC2. No caso ali em julgamento, o Tribunal de Justiça de São Paulo havia reconhecido a natureza anticompetitiva da cobrança à luz justamente de posicionamentos do CADE e, nessa parte, a Ministra manteve a deferência da origem à especificidade e profundidade da análise concorrencial feita até então.

(Façamos parênteses às tecnicidades: o STJ não disse que a THC2 era anticoncorrencial conforme decidido pelo CADE; disse sim que a ANTAQ deve deferência à competência do CADE em matéria concorrencial, conforme a ilegalidade da THC2 reconhecida pelo Tribunal de origem. “Poteito, potato”: a THC2 é ilegal. )

O Ministro Gurgel de Faria pediu vista dos autos. Aguarda-se o posicionamento final da turma. Isso não tira o brilho da coragem de uma Ministra que, no STJ, entendeu que estava na hora de resolver esse conflito de uma vez por todas.

Parabéns, Ministra Regina Helena.

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Bruno Burini – advogado. Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. mestre e doutor em direito processual pela Universidade de São Paulo, professor da Universidade de Brasília, autor de livro e artigos. Fui pesquisador convidado na Fordham University de Nova Iorque e na Università degli Studi di Milano. Sócio na BRZ Advogados. Vive em Brasília.

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