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Israel e Hamas à luz do Direito Internacional Humanitário. Por Lionel Zaclis

… Se Israel não pode abdicar da defesa contra quem o atacou cruelmente e pretende destruí-lo, para evitar maiores perdas civis o Hamas tem alternativas…

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PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O ESTADO DE S. PAULO, EDIÇÃO DE 13 DE MARÇO DE 2024

O direito internacional humanitário (DIH) foi-se constituindo ao longo dos séculos, até se corporificar em convenções internacionais, que governam a conduta na guerra (jus in bello), objetivando, entre outros fins, limitar os possíveis efeitos deletérios aos civis e aos bens.

É fato que o Hamas obriga civis a permanecer, como escudos humanos, em locais de importância estratégica para fins militares. A proteção dos hospitais, por exemplo, deve ser ininterrupta (IV Conv., art. 19) a menos que utilizados fora de seu dever humanitário, visando a atingir o inimigo, cessando a imunidade caso desrespeitados alertas com tempo razoável para evacuação (IV CG, art. 28).

Subjazem ao DIH três princípios fundamentais:  os da distinção, da precaução e da proporcionalidade. O da distinção refere-se ao dever das partes de diferençar entre civis e beligerantes e entre objetos civis e alvos militares. O da precaução, ao dever do atacante de verificar se o alvo não é civil e nem objeto de proteção especial, e de tomar as medidas possíveis, a fim de evitar ou, ao menos, minimizar perdas de vidas civis e danos a objetos civis.

Quanto à proporcionalidade, não existe fórmula exata do que, militarmente, seja considerado “proporcional”. Adota-se, portanto, o standard do “comandante militar razoável”. No tocante às forças israelenses, além de obrigadas a respeitar um código de ética, os comandantes, responsáveis que são pelos atos dos subordinados, assumem responsabilidade penal e disciplinar, conforme o caso, se souberem ou receberem informações que lhes permitam concluir, nas circunstâncias do momento, que algum deles cometeu ou estaria para cometer infração, e deixarem de tomar medidas eficazes, dentro do seu poder, a fim de preveni-la ou reprimi-la.

Independentemente disso, o DIH proíbe, mesmo em face de um alvo a ser licitamente alvejado, que o ataque ocorra caso o dano colateral a civis ou objetos civis venha a ser excessivo em relação à sua vantagem militar. Estatui a lei, também, que a decisão sobre proporcionalidade deve ser tomada mais com base nas informações disponíveis ao comandante no momento da decisão, devendo ser levada em conta a incerteza inerente à guerra (a qual cresce em casos de operações terrestres), do que de acordo com o resultado verificado. Registre-se, contudo, que os danos a civis, por si sós, não tornam o ataque ilegal, no caso de a vantagem militar ser relevante, de modo que, uma vez alcançada, o dano deverá ser considerado proporcional.

… O Hamas é perito em armadilhas que resultam em contingências aos civis, modus operandi esse que cria sérias dificuldades às forças israelenses.

Apesar da análise jurídica acima, grande número de casualidades a civis são criticadas e dificilmente aceitas, sob o enfoque da legitimidade, sob os seguintes argumentos: primeiro, com base na errônea assunção  de que, no caso de terem sido atingidos civis, a ofensa sempre terá sido intencional e desproporcional; segundo, frente à recusa de aceitação do princípio de que pode haver justificativa em relação aos danos a civis quando o alvo militar é legítimo; terceiro, com apoio em opinião baseada no resultado da ação; e quarto,  ante a rejeição da justificativa de que o dano não foi desejado ou foi resultado de erro. No caso de Israel, a alta capacidade tecnológica de seu exército cria a ilusão de onisciência e infalibilidade, de modo que alguns críticos costumam considerar intencional todo e qualquer resultado, o que não corresponde à realidade.

O Hamas é perito em armadilhas que resultam em contingências aos civis, modus operandi esse que cria sérias dificuldades às forças israelenses.  Cumpre dizer, porém, que, sob o aspecto jurídico, não há imunidade a edifícios e outros locais em áreas civis, desde que os alvos sejam militarmente relevantes e os civis não tenham obedecido aos alertas dados.

Até prova em contrário, Israel tem respeitado as leis do DIH, mesmo porque, além do princípio judaico de proteção à vida, e do respeito à moralidade e à ética, os comandantes, responsáveis pelos atos dos subordinados, precisariam ser insanos para correr o risco de sujeitarem-se a penalidades criminais e disciplinares previstas no direito doméstico e no DIH; e se Israel não pode abdicar da defesa contra quem o atacou cruelmente e pretende destrui-lo,  segue-se que, para evitar maiores perdas civis, o Hamas, que presumivelmente defende os palestinos, mas que, na verdade, pouco ou nada liga para eles,  tem que escolher entre as seguintes alternativas: (a) rendição com libertação de todos os reféns; ou (b1) libertação de todos os reféns,  sem mais uso de locais  em princípio imunes, e liberação dos escudos humanos; (b2) coordenação da distribuição dos víveres aos civis, impedindo a repetição dos lamentáveis fatos do dia 28 de fevereiro, quando multidão de famintos cercou os caminhões, constando que mais de cem pessoas morreram atropeladas e pisoteadas, em meio ao caos instalado, cujas causas ainda pendem de investigação.

https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/israel-e-hamas-a-luz-do-direito-internacional-humanitario/

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Lionel ZaEquipe | Azevedo Sette Advogadosclis – Advogado, Doutor e Mestre em Direito pela USP

 

 

 

3 thoughts on “Israel e Hamas à luz do Direito Internacional Humanitário. Por Lionel Zaclis

  1. Lionel, muito interessante ouvir, de fonte confiável e avalizada, a interpretação desse conflito com base nas leis internacionais da guerra. Uma visão que mostra claramente que as críticas e sucessivos pedidos de moções contra Israel se devem não a fatos, a leis, mas ao preconceito religioso disfarçado em antissionismo.

    1. Obrigado, Sílvia. É isso mesmo o que você expressa.
      Aproveito para deixar claro que o título do meu artigo é “Israel e Hamas à luz do Direito Internacional Humanitário”, e não “o conflito entre Israel e Palestina”. Embora os terroristas do Hamas sejam palestinos, nem todo palestino é terrorista.

  2. Caro Dr. Leonel. O que se faz, e se escreve, para defender o indefensável impressiona. O Sr. acredita realmente no que o Sr. escreveu ,à luz dos fatos atuais, ou trata-se apenas de um exercício de tergiversação, de corporativismo, tentando convencer desavisados de ” realidades ” que são reais apenas aos interessados? Tente criticar os dois lados, igualmente, em toda essa barbárie. Barbárie é barbárie, não interessa o lado. Queira-me bem.

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