Cria vergonha!

Cria vergonha! Por José Horta Manzano

… Usava-se falar assim no tempo em que “ter vergonha na cara” significava alguma coisa. Hoje, acredito que o assunto já não comova. Chamar alguém de “sem vergonha” não faz efeito, acho que nem xingamento é mais.

Cria vergonha!

 

Cria vergonha! – a expressão é do tempo de meu pai. Uma notícia de hoje me fez lembrar dela, mas fazia um tempo que andava sumida. É compreensível que tenha desaparecido. Usava-se falar assim no tempo em que “ter vergonha na cara” significava alguma coisa.

Hoje, acredito que o assunto já não comova. Chamar alguém de “sem vergonha” não faz efeito, acho que nem xingamento é mais.

Por ser muito branda, a expressão não faz mais parte da escala de ofensas. Hoje em dia, insulto bom já começa em “Ladrão!”. E daí pra cima, passando por “Nazista!”, “Comunista!” e companhia bela.

É indiscutível que o nível de tolerância de comportamentos violentos anda um bocado maleável, deixando a velha “vergonha na cara” em posição de primo pobre e fraquinho. Mas não é a única razão por trás do sumiço da antiga expressão. O problema maior é que já não se dá à “vergonha na cara” o mesmo valor de antes.

Atualmente, acho que a vergonha já não aparece entre as qualidades exigidas do perfeito cidadão. Em personagens políticos, então, é virtude praticamente inexistente. Sem nenhuma vergonha, eles insultam, roubam, corrompem, deixam-se corromper, esbanjam nosso dinheiro, beneficiam parentes.

Quando a Federal apanha um deles com a mão na carteira alheia, o danado nem se mostra envergonhado. Logo alega que o culpado não é ele, é outro. E, em geral, fica por isso mesmo. Vergonha na cara, ninguém exibe.

Como eu dizia, hoje, de repente, me reapareceu diante dos olhos a velha expressão. E veio da boca do presidente da República. Numa entrevista, indagado sobre o caso Robinho, Lula foi direto: ”Todas as pessoas que cometerem crimes de estupro têm que ser presas”. E emendou:

“Um homem, jovem que tem dinheiro, um jovem rico, famoso, praticar estupro? E coletivo? E acha que não cometeu crime! Acha que estava bêbado? Ah, cria vergonha! Estupro é um crime imperdoável!”

Não sei se todo o mundo pensa igual, quanto a mim, aplaudi de pé a fala presidencial. E olhe que não é todos os dias que isso acontece…

Estupro é crime covarde, em que um indivíduo forte submete um mais fraco. No assalto à mão armada, o forte (que aponta a arma) também submete o frágil (desarmado), só que, no estupro, além da arma apontada, há a humilhação e a dor da violação do corpo desonrado. Estupro coletivo, então, é covardia ao cubo. Em outras latitudes, dá perpétua.

Está terminando a época em que nosso país acolhia o refugo da criminalidade internacional. Durante décadas, mafiosos, nazistas, assassinos, assaltantes de trem pagador & alia encontraram abrigo nestas terras tropicais. Hoje rareiam. E não está longe o dia em que não virão mais.

O Brasil não pode ser covil de criminosos. O Lula tem toda razão: lugar de estuprador é na cadeia. Vamos ver que decisão tomam os magistrados encarregados do caso desse “jovem, rico, famoso” – nas palavras do presidente.

Vai aqui uma ideia para evitar que a índole honesta do brasileiro continue a se esgarçar. No finalzinho do Hino Nacional, onde se canta “Pátria amada, Brasil!”, que se passe a cantar “Cria vergonha, Brasil!”.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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