avental

O avental inglês. Por José Horta Manzano

… O objeto perdeu uma letra, mas fique o distinto leitor tranquilo: avental inglês protege tão bem quanto o original francês.

 Você sabia?

Houve tempos em que o homem comia com as mãos, sentado no chão. Não devia ser confortável nem prático. Se um pedaço da comida escapasse da mão, imaginem: rolava direto pra poeira. Disgusting…

Assim que suas faculdades lhe permitiram, a humanidade tratou de fabricar um suporte que separasse o alimento do chão. Degrau por degrau, a ideia evoluiu até que surgiu a mesa. O objeto nos é hoje tão familiar que fica difícil imaginar que um dia possa não ter existido.

Mas ninguém segura o progresso. Na Idade Média, famílias abastadas sentiram necessidade de acrescentar uma camada entre a mesa e a comida. A toalha foi a solução. Sua maciez dava um quê de sofisticação.

No entanto, ainda que aumentasse o conforto, a toalha se sujava muito rapidamente. Depois de uma refeição, já guardava marcas de gordura. Naqueles tempos sem máquina de lavar roupa e sem água corrente, a lavagem de roupa dava muito trabalho. Não é qualquer um que aguentava caminhar até o rio no inverno e lá passar o dia inteiro esfregando com água fria. O problema tinha de ser atenuado.

A grande ideia – em vigor até hoje – foi acrescentar uma segunda peça de tecido sobre a toalha a fim de protegê-la. Essa peça, de dimensões mais modestas e de qualidade inferior, era mais fácil de lavar.

Foi na França que a novidade apareceu. A toalha de mesa era (e ainda é) chamada nappe. Dizem que o termo, de origem fenícia, já tinha sido usado pelos romanos com a forma mappa. Temos um resquício em nossa língua: é o guardanapo, palavra que descende da mesma raíz.

A peça de tecido de proteção da toalha foi vista como toalhinha. Onde nós usamos inho e zinho para indicar diminutivo, a língua francesa prefere os finais ette ou on. A toalhinha passou a ser conhecida como un napperon, substantivo masculino, forma diminutiva do substantivo feminino nappe.

Faz mil anos, quando a cultura francesa encharcou as ilhas britânicas, a toalha e a toalhinha foram junto. Espertos, os ingleses encontraram nova utilidade para a toalhinha. Perceberam que, se protegia a toalha, também era excelente para proteger a roupa de quem servia à mesa. E adotaram o costume de amarrar uma toalha à cintura.

Que nome dar à novidade? Ouviam os castelães dizerem «un napperon», que soa «anaprôn». Acharam de bom-tom usar o mesmo nome. Pouco familiarizados com a gramática francesa, adaptaram a novidade à fonética inglesa.

Conservaram o artigo indefinido «an», mas não se deram conta de que napperon também começava com n. É por isso que dizem «an apron». Sem o artigo, é simplesmente «apron», palavra em uso até os dias atuais.

O objeto perdeu uma letra, mas fique o distinto leitor tranquilo: avental inglês protege tão bem quanto o original francês.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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