Tapetão eleitoral. Por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão
… No Brasil o modelo tem um viés folclórico. Parece que o cidadão transita sobre um “tapetão eleitoral”, capaz, sim, de manter determinados grupos no Poder por anos a fio…
O presidente Lula passou este ano e meio de mandato em viagens pelo mundo, tratando de assuntos planetários. Não escapou de imiscuir-se em searas alheias. Chegou a anunciar uma moeda nova para substituir o dólar no comércio internacional, defendeu o aumento o número de membros do Conselho de Segurança da ONU, palpitou sobre a invasão da Ucrânia e sobre a resposta de Israel ao Hamas, prometeu financiamentos para a África e para a América Latina. Internamente, deixou entender que pretende disputar sozinho as próximas eleições presidenciais, como Putin, Maduro e Ortega, retirando concorrentes da corrida eleitoral.
Seus escorregões retóricos, inciativas e opiniões intempestivas estão mostrando a distância do que pensa das promessas da campanha eleitoral de 2022. Algumas afirmações deveriam constar, não apenas de uma agenda transparente, mas até serem submetidas a consultas públicas, no mínimo, ao Congresso Nacional. Se não se cuidar seu comportamento meio leviano tende a complicar-se nas eleições municipais de outubro. O País parece aproximar-se de uma crise de confiança no campo econômico, mesmo diante do anunciado crescimento de 2,9% do PIB de 2023, amparado no amaldiçoado agronegócio.
O Presidente age como se já estivesse em campanha, confiante nos 50,9% dos votos que o elegeu, o que lhe dá legitimidade. Contudo, ignora que o Tribunal Superior Eleitoral não concluiu ainda as regras e o Calendário Eleitoral de 2024. Pelos planos, depois da Semana Santa, ele começaria a viajar pelo interior do Brasil, e a inaugurar muitas obras, segundo ele mesmo. “A cama presidencial partidária eleitoral está sendo acolchoada não apenas pelo Orçamento. Por orientação superior, os bancos do Brasil, o BNDES e a Caixa Econômica liberaram, em 2023, financiamentos para estados e municípios da ordem de R$ 45 bilhões e ainda o governo deverá renegociar volumosas dívidas estaduais e das prefeituras municipais, que se arrastam desde o governo de Itamar Franco (1992-1995). É o dinheiro das obras a serem inauguradas este ano“
Adiantou que também que vai pagar as emendas parlamentares, aquelas que transformam as prefeituras em um mercado de apoio político. São aportes próximos de R$ 50 bilhões à margem dos R$ 40 bilhões do Fundo Eleitoral, que vão também desembocar nos municípios. Os 140 deputados que estariam assinando o pedido de impeachment de Lula ficariam fora: outra derrapada.
Enquanto tudo isso acontece, no TSE, o Grupo de Trabalho para Sistematização das Normas Eleitorais – SNE, instituído por meio da Portaria-TSE nº 115/2019, digere contenciosos, sugestões de juristas, acadêmicos e sindicalistas interessados na identificação de conflitos normativos, antinomias ou dispositivos da legislação eleitoral, inclusive alguns revogados. Ao final, entregará um relatório com uma minuta sistematizando normas, fixando o calendário eleitoral para 2024.
Os gastos pré-eleitorais do Executivo ressoam como um alerta para quem se preocupa com o déficit público, como a ministra Simone Tebet, do Planejamento. Haddad, da Fazenda, acomodou-se ao estilo gastador do Presidente. O ônus de tudo isso pode sobrar para os 11 milhões de funcionários públicos e os 2,6 milhões de concurseiros que sonham com empregos no Governo e com a estabilidade. Ao analisar um Recurso Extraordinário de número 688.267, de funcionários demitidos do Banco do Brasil, o Supremo Tribunal Federal terminou por instituir a figura do “empregado ebéjico” , característico das estatais, que vivem regime “híbrido “- Estatutário e, ao mesmo tempo, CLT- e que podem ser demitidos sem motivação, uma ameaça as regras de estabilidade no emprego público.
O modelo tem repercussão geral: aplica-se a nível federal, estadual e municipal. A contratação só se faria mediante concurso público e a demissão passaria a se dar pelas regras da CLT. Trata-se de um rearranjo nas disposições do e regras de direito público e de direito privado.
@gabrielcalheiros9700, um concurseiro :
– Posso estar enganado, mas ao meu ver não mudará quase nada, simplesmente o que era sem justificativa agora vai ser uma desculpa esfarrapada kkkkkkk como a más condições de mercado, ou diminuição de efetivo, etc. ( Acesso: 04.03.2024).
@PillCell-pn5vk (Youtube) entende que essas coisas não acontecem gratuitamente:
– Já trabalhei em Secretarias da Educação e acredite, nesses antros todos os professores são ” usados” pelos políticos em tempos de eleição, isso para não perderem a mamata!! Tem estados que já tem mais de 20 anos que não tem concursos público !! Os políticos querem que o STF perda a estabilidade, para que dessa forma todos os cargos percam também a sua estabilidade!! Lembrando que tudo gera reflexo!! Uma decisão que afeta a estabilidade dos cargos superiores. ( Acesso: 04.03.2024)
Funcionários e concurseiros estão confusos sobre o futuro do trabalho. Feitos os concursos, surge a preocupação em serem nomeados . Contratados, teriam estabilidade?
A discussão sobre a oneração e a desoneração fiscal de municípios e empresas é outro tema altamente sensível na perspectiva eleitoral, já que implica na suspensão de isenções tributárias – um ensaio aparentemente eleitoreiro – concedidas, embora pretenda significar um incentivo para a contratação de jovens e desempregados. O Congresso quer tirar essa autonomia do Executivo para tratar do assunto.
Enfim, a eleição que a gente chama de democrática, e que se quer passar como um sistema íntegro e justo , além das regras jurídicas draconianas é cheia de jabutis institucionais oportunos e convenientes. Os Tribunais – Eleitoral, Justiça e até o Supremo – não se preocupam muito com o modelo que ganha legitimidade no “imbroglio” das jurisprudências e ritualísticas processuais. Bom número das decisões passam distante da jurisdicidade.
Uma grande (grande mesmo) maioria dos indicados para ministros e desembargadores do Judiciário são originários de famílias com filiações partidárias históricas. Votam quase sempre longe da imparcialidade jurídica. Daí porque não é difícil imaginar que, por aqui, a divisão do Poderes do Estado entre o Legislativo, Judiciário e Executivo – está mais próxima de um regime autoritário estamental, como disse Faoro, nesta democracia, mesmo “relativa” de Geisel, Lula, Maduro, Ji Jinping e Netanyahu.
No Brasil o modelo tem um viés folclórico. Parece que o cidadão transita sobre um “tapetão eleitoral”, capaz, sim, de manter determinados grupos no Poder por anos a fio.
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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural, ex-guarda florestal do Parque Nacional de Brasília Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018