Pastel do japonês. Por Paulo Renato Coelho Netto
… Meu pastel pode ser, para você, um tempo com seu gato, cachorro, com uma planta, caminhando, andando de bicicleta. Qualquer atividade que te faça bem sem um chato por perto. De preferência, em silêncio e sozinho.
Há certos dias que tudo que preciso é de um pastel do japonês. Meu pastel pode ser, para você, um tempo com seu gato, cachorro, com uma planta, caminhando, andando de bicicleta. Qualquer atividade que te faça bem sem um chato por perto. De preferência, em silêncio e sozinho.
À medida que o tempo passa a paciência se esgota para muita coisa. Acaba. Com exceção do chato incurável, os longos anos acumulados são suficientes para qualquer um aprender que ninguém, com fios de cabelos brancos, vai abrir a mente para novas convicções. Ninguém muda ninguém depois dos 50 anos. Fim de linha.
Daí que são inúteis as reuniões para decidir a importância de reformar o campo de futebol perto de onde você mora. Particularmente, depois de cinco décadas de vida, futebol só é bom pela televisão na sala de casa. Estádio, nem pensar.
Isso para quem gosta deste esporte que o VAR transformou os melhores lances tão emocionantes quanto questões de logaritmo. Já vi partida paralisada por cinco minutos para que o tal do VAR decidisse se meio milímetro do calcanhar do pé esquerdo da chuteira do zagueiro dava ou não condições de impedimento para anular ou validar o gol do falso nove.
Entre ouvir alguém afirmar que sobreviveu à pandemia de coronavírus tomando cloroquina e remédio para verme – doença que matou mais de sete milhões de pessoas no mundo, das quais mais de setecentas mil no Brasil – prefiro o pastel do japonês. Sozinho.
Em um churrasco alguém me pergunta como vejo a política de hoje no Brasil. Com os olhos, pensei, mas respondi que “tem chovido acima do normal nesta época do ano”. Quem questionou estava me confundindo com alguém muito parecido fisicamente comigo mesmo há 30 anos, que adorava falar sobre política. Atualmente, entre política e o pastel do japonês, ponto para o pastel de novo.
Aliás, se for para escolher entre um churrasco e o pastel, adivinha quem ganha? Depois dos 50 anos a capacidade do corpo humano para digerir quatrocentos gramas de proteína pura, na forma de ponta de costela, leva o mesmo tempo que uma sucuri precisa para digerir um bezerro grande.
Daí alguém diz que churrasco não é para comer é para conversar. Ótimo. Na próxima oportunidade vamos marcar uma conversa coletiva pelo telefone. Com hora para começar e acabar. Resolvido. Se puder adiantar o assunto, melhor ainda. Dependendo, nem apareço.
Poucos temas de grande interesse coletivo me despertam o mínimo arrebatamento ultimamente. Começo a entender porque o poeta Manoel de Barros se dedicava tanto às coisas sem a menor importância. Detritos semoventes, cacos de vidro, restos de entulhos num terreno baldio. Todas as coisas inúteis lhe serviam para a poesia. Ele queria mudar o homem usando borboletas. Da parte que me cabe, quanto mais gente vejo aumenta minha vontade de fazer amizade com borboletas, passarinhos e corujas. Atualmente, menos é muito mais.
Você já deve ter escutado esta parábola em algum momento:
– Mestre, qual o segredo da felicidade?
– Não discutir com idiotas.
– Não concordo que este seja o segredo.
– Sabe de uma coisa? Você tem toda razão.
Basicamente é isso. Depois de meio século, a vida pede um pouco mais de calma. Como na canção do Lenine, “O mundo vai girando cada vez mais veloz, A gente espera do mundo e o mundo espera de nós, Um pouco mais de paciência”.
Rita Lee, que sempre foi plugada no 220 Volts, também chegou lá depois dos 50: “Me cansei de lero-lero. Dá licença, mas eu vou sair do sério. Quero mais saúde. Me cansei de escutar opiniões”.
Loas ao pastel do japonês!
Festa da firma? Pastel do japonês. Show ao vivo, em pé, entre 20 mil pessoas? Pastel do japonês. Debate de candidatos, programa eleitoral gratuito, verborragia? Pastel do japonês. Ativistas ensandecidos? Pastel do japonês. Passeata para salvar os suricatos das savanas africanas? Pastel do japonês. Reunião com a banda podre da família? Pastel do japonês.
Nelson Rodrigues escreveu que “toda família tem um momento em que começa a apodrecer”. Certíssimo, com ou sem pastel.
O telemarketing, a reunião de condomínio, o terraplanista, o fascista-democrata de hospício, o lambe-botas de torturador, o torcedor doente e fanático? Pastel do japonês. Uma noitada de bebedeira antecipando a ressaca das galáxias? Pastel do japonês. Relacionamento tóxico-neurótico? Pastel do japonês. Invejosos? Pastel do japonês.
Aquele que fala alto, cuspindo, colado no seu rosto e ainda segura seu braço para você não sair correndo? Pastel do japonês. O militante cego, com déficit de inteligência social, seja radical de esquerda, direita, do centro ou da puta que pariu? Pastel do japonês, em silêncio e sozinho.
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Paulo Renato Coelho Netto – é jornalista, pós-graduado em Marketing. Autor do livro “2020 O Ano Que Não Existiu – A pandemia de verde e amarelo”.
Depois dos 50 … ninguém muda.
Nem vale a pena tentar.
Vou ficar com minhas pedaladas.