Patrimônio histórico tombado. De verdade! Por Flávio F. Figueiredo
PATRIMÔNIO HISTÓRICO – TOMBAMENTO – OPINIÃO
Por que não compensar o detentor do imóvel tombado com algum tipo de benefício?
Nas condições atuais a deterioração é quase uma regra.
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM "ESPAÇO ABERTO", OPINIÃO, O ESTADO DE S. PAULO, 27 DE FEVEREIRO DE 2024
Conforme noticiado, o imóvel de Salvador, que é um casarão situado no Centro Histórico, abrigou durante 107 anos o Restaurante Colon, inclusive mencionado por Jorge Amado em O Sumiço da Santa.
O imóvel teria sido evacuado em 2020, em razão de supostos riscos à sua estabilidade, devidos à falta de manutenção. Desde então, a tecnoburocracia teria se encarregado de assegurar o fim do imóvel, com procedimentos envolvendo ofícios, visitas, inspeções, fiscalizações, interdições e outros inúteis “ões”.
Após desabamento parcial, foi iniciada a demolição da construção. Fim.
Para o imóvel situado em São Paulo, embora muito mais novo, a história não foi tão diferente.
Localizado nas proximidades do centro da cidade, trata-se de um palacete cujas obras teriam sido concluídas na década de 1910 e por quase 70 anos foi residência da família que o construiu.
Consta que, desde então, a casa não foi mais utilizada e há muitos anos está escorada, o que lhe deu direito ao apelido “Casarão das Muletas”.
O tombamento ocorreu em 2002. Não há registro de qualquer manutenção, nem antes, nem depois do tombamento.
Como, com muletas ou sem muletas, nenhuma construção resiste tanto tempo sem qualquer cuidado, movimentações importantes teriam sido constatadas e ensejado a sua imediata demolição. Fim.
Antes de continuar, é importante uma observação técnica, que talvez os tecnoburocratas desconheçam: a técnica construtiva mais utilizada na construção de edificações antigas do Brasil é a alvenaria de tijolos de barro.
Solução excelente, muito utilizada até hoje, de custo acessível e que proporciona prédios duráveis, mas desde que mantidos.
Sem manutenção, especialmente em um país com muitas regiões com índices pluviométricos elevados, a ruína é só uma questão de tempo.
Essas ocorrências precisam nos levar a sérias e urgentes reflexões. Várias perguntas precisam ser respondidas, sobretudo pelo poder público. Por exemplo:
- Como devem ser os processos de tombamento? Hoje, a coisa mais fácil é abrir um processo de tombamento e, com isso, congelar um imóvel ou até mesmo uma região por muitos anos, até que se analise a pertinência do ato. Com isso, há muitos pedidos que, na realidade, têm intenção, naturalmente não declarada, de impedir ou dificultar a aplicação das normas urbanísticas aprovadas.
É fundamental que os processos sejam céleres, sobretudo nos seus passos iniciais, para impedir que pedidos sem qualquer motivo real criem obstáculos injustificáveis, que apenas beneficiam interesses opacos.
- O que deve ser tombado? Vale a pena sair tombando tudo, integralmente, para que os imóveis fiquem entregues à própria sorte, aguardando a morte anunciada?
Todos sabem que ter um imóvel tombado geralmente representa um pesado fardo. O uso é restrito, qualquer manutenção é um pesadelo e não há – via de regra- nenhum tipo de desconto nos tributos, especialmente no IPTU.
Nessas condições, a deterioração é quase uma regra.
Tombamentos parciais como, por exemplo, de fachada ou de determinados cômodos, podem permitir uso mais amplo e menos limitado de um imóvel e, ao mesmo tempo, permitir que se guarde pelo menos um pouco da memória, ao invés de a perder a médio prazo.
- Por que não compensar o detentor de imóvel tombado com algum tipo de benefício? Ao tentar preservar a memória, os tombamentos representam interesse coletivo. Essa característica deveria ser considerada para que o proprietário do imóvel recebesse algum incentivo, para que efetivamente tivesse como preservar o bem.
Hoje, até mesmo uma simples pintura de imóvel tombado requer providências técnicas e administrativas demoradas e onerosas, que ajudam ainda mais a desincentivar qualquer cuidado.
Outras várias questões precisam ser urgentemente examinadas.
Não é mera coincidência que as duas ocorrências aqui relatadas, distantes aproximadamente 2.000 km uma da outra, sejam simultâneas.
Muitas outras estão na fila.
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FLÁVIO F. DE FIGUEIREDO – Engenheiro Civil, Consultor. Diretor da Figueiredo & Associados Consultoria.
Autor e coordenador de vários livros sobre vistorias e perícias, nas quais é especialista. Os mais recentes, “Perícias em engenharia – uma visão contemporânea” e “Aluguéis em Shopping Centers”. Conselheiro do IBAPE/SP – Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo.
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