nota de cem

E já foi preta a nota azul. Por Antonio Contente

… Qual não foi meu susto, diante da moça do caixa, ao ver a fabulosa nota de cem reais que veio como parte principal do pagamento. Ao enfiar aquilo no bolso, me senti rei. Tinha a impressão que poderia adquirir céus e terras…

nota

Ora, amigos, o que eu queria dizer é que o nosso dinheiro, este sofrido real, aos poucos, derrete. Imagino que estamos vendo um filme em câmera lenta, com a deterioração a se processar em passos de cágado, é verdade, porém com riscos de atingir o surreal. Tal qual nos velhos tempos em que as maquininhas de remarcar do presidente Sarney, nos supermercados, emitiam aquele click nas nossas fuças, como se estivessem operando algo corriqueiro tipo o nascer e o por do sol.

Lembro, a “vol d’oiseau”, que na época em que o Plano Real foi lançado, no século passado, escrevi, para a já falecida Folha da Tarde de São Paulo, um texto no qual afirmava ser azul a nota preta. Simplesmente os 100 paus daquela época, amigos, era de fato uma bela grana que dava para comprar mil coisas. Com o detalhe de que sequer ver, nem diria tocar, uma pixula de tal valor era raríssimo, coisa para o já falecido Antonio Ermirio de Moraes que, então, todos consideravam o homem mais rico do Brasil.

Fato que recordo com emoção foi que, certa manhã, entrei numa agência bancária em Campinas para receber pagamento de colaboração que havia escrito para uma revista de São Paulo. Qual não foi meu susto, diante da moça do caixa, ao ver a fabulosa nota de cem reais que veio como parte principal do pagamento. Ao enfiar aquilo no bolso, me senti rei. Tinha a impressão que poderia adquirir céus e terras, operando maravilhas para um homem de finanças em geral raquíticas, combalidas, exangues que nem as minhas.

Fui andando a pé para a cidade e, entrando no Café Regina, dou de cara, na fila do caixa, com o famoso campeão internacional de atletismo Carlos Mossa, vencedor de várias provas pelo mundo afora. Logo me adiantei, dizendo:

— Pode deixar que eu pago.

O amigo se espantou, mas, diante da minha veemência, aceitou. Ao que eu, peito estufado, ainda exagerei pedindo também dois pastéis. Para só então fazer o pagamento com a espetacular nota de cem reais. Percebi que, no entorno,  ocorreram murmúrios. O próprio Mossa, pálido de espanto, não queria acreditar no que estava vendo. Agora, susto, mesmo, teve a moça do caixa. Com o dinheiro posto diante dos seus olhos, os arregalou como se tivesse topado com um fantasma. Por fim murmura, tímida, até acho que meio humilhada, um dolorido “desculpe, mas não temos troco”. Diante disso o famoso atleta se apressa em pagar, fazendo, depois, questão de pegar a jubrega azul maravilhosa em minha mão para examinar, como se tivesse entre os dedos algum rubi do marajá de Rachimpur.

Bom, mas estou contando isso tudo porque, como disse acima, o nosso pobre dinheiro derrete. Pois se com uma nota de cem daquela época dava para você quase comprar o mundo, com uma de um real podia adquirir nada menos de 10 pãezinhos,  tipo francês, que custavam 10 centavos cada. Porém, a maior prova da mudança que vem ocorrendo com nossas finanças ocorreu na semana passada quando, no caixa eletrônico do banco, entre as cédulas que a máquina entregou atendendo ao meu pedido veio uma de cem. Muito ao contrário do que ocorreu no passado enfiei aquilo no bolso com displicência e saí.

O inacreditável, porém, foi que, entrando no mesmo Café Regina, torno a dar de cara com o mesmo campeão de atletismo Carlos Mossa, agora devidamente aposentando e trazendo, a tiracolo, o escritor e pianista Antonio de Pádua, imortal da Academia Campinense de Letras. Como se encontravam na fila do caixa me adiantei afirmando que gostaria de pagar pois, em várias ocasiões, eles é que haviam pago. Nessas condições, como num passe se mágica o passado me veio à mente; e fiz, então, questão de saldar o pedido com a cédula outrora fabulosa. Angelina, a atual caixa do famoso ponto de encontro, pegou a dita cuja com descaso alvar e, sem nenhuma dificuldade, me deu o troco. Confesso, amigos, que, de repente, me senti humilhado. Porém, humilhação muito maior senti depois, à saída do café, quando um pedinte se aproximou de nós e Padua, pessoa generosa, deu a ele uma pixula de cinco reais. O camarada olhou com certo desgosto para a espórtula, dando para ouvir o que murmurou, entre os dentes:

         — Puxa, que miséria…

Na verdade miséria que, na padaria mais próxima, daria para, no passado, adquirir nada menos de cinquenta (eu disse cinquenta!) pães do tipo francês quando, hoje, sequer dá para adquirir três. Sem dúvida, não há como deixar de reconhecer que o nosso dinheiro está derretendo. Pois, contendo a taquicardia, já estou vendo a hora em que, com esses governos vagabundos que temos tido, a outrora lendária nota preta dará, apenas, para pagar dois cafezinhos. Ou, quem sabe, apenas um…

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Antonio ContenteANTONIO CONTENTE

Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

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