… Valdemar fez uma aposta de poder ao incorporar Bolsonaro: mais votos, mais deputados, mais dinheiro do Fundo Partidário. Seu partido era de direita, meio geleia geral, como os outros. Não calculou, entretanto, os prejuízos de encampar a extrema direita e sua luta antidemocrática…
Com o resultado da Operação Tempus Veritatis (tempo da verdade) e outros indícios recolhidos pela Polícia Federal (PF), é possível dizer que o material terá sérias consequências jurídicas para Bolsonaro e alguns dos seus mais próximos apoiadores.
Minuta de golpe, gravação completa de uma reunião ministerial, troca de mensagens comprometedoras, monitoramento do ministro Alexandre de Moraes, que deveria ser preso e levado para Goiânia – tudo isso sustenta a narrativa de um plano de golpe, que deveria acontecer antes das eleições.
O golpe não aconteceu no ano de 2022. No entanto, ele viria a ser tentado, de outra forma, no 8 de janeiro de 2023. Um dos desafios da investigação é precisamente estabelecer os vínculos entre o que se planejou e o que aconteceu de fato.
Até o momento, uma das indicações é o levantamento de R$ 100 mil que foi solicitado ao tenente-coronel Mauro Cid. O dinheiro foi usado? Serviu para financiar ônibus e outros itens da logística da chamada “Festa da Selma”?
O fundamento de tudo, desde o princípio das maquinações, é a falsa suposição de que as urnas eletrônicas estavam viciadas.
Bolsonaro antevia a derrota. Na própria reunião de julho de 2022 ele afirma que sua vitória em 2018 foi um golpe de sorte. Na verdade, usa um termo fisiológico, mas o sentido é este: a vitória não se repetirá com o tipo de eleições que temos.
Essa conclusão levou facilmente a outra: é preciso fazer algo antes das eleições, virar a mesa, como chegou a formular o general Augusto Heleno.
As consequências jurídicas desta aventura golpista vão depender do grau de maturidade da preparação e dos vínculos com a tentativa desesperada do 8 de janeiro. Não se perdoam golpes fracassados; a evidente incompetência não funciona como atenuante.
Assim como nos Estados Unidos, a sucessão de processos criminais mantém Bolsonaro e Trump em evidência. Aqui, como lá, não há indicações de que isso significa perda de popularidade. A diferença essencial é que no Brasil os acusados são impedidos de disputar as eleições. Bolsonaro já está fora em 2026, mas corre o risco de uma ausência mais longa.
A tentativa de golpe pode resultar em prisão. Mas este processo, a julgar pelo que dizem nos bastidores os próprios ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), teria de ser completo. Em outras palavras, seria necessário julgamento com amplo direito de defesa e esgotamento de todos os recursos, em caso de condenação.
A justiça tem seu tempo quando transita nas alturas, uma vez que os manifestantes de 8 de janeiro já estão, em parte, condenados a altas penas de prisão.
Mas a cautela tem suas razões. Bolsonaro percebeu, pelo destino de Trump, que processos não derrubam popularidade, necessariamente. Ele deve se apoiar nela para contestar as acusações e, se possível, utilizá-la para ganhar mais simpatia. Assim interpreto a disposição de Bolsonaro de convocar manifestação em São Paulo.
Mas as consequências políticas não param aí. Elas são importantes no ano de eleições municipais. O PL, partido de Valdemar Costa Neto, tem uma fortuna para gastar: mais de R$ 1 bilhão. No entanto, o próprio Valdemar, presidente do partido, e seu mais importante cabo eleitoral, Bolsonaro, estão proibidos de entrar em contato, por força das investigações.
É claro que políticos sempre acham um caminho para contornar obstáculos. Mas não será nada fácil fazer uma campanha com a PF nos calcanhares. Não que a PF esteja interessada em eleições municipais. Mas os movimentos naturais neste momento político ficam restritos pelo próprio medo de estar sabotando as investigações.
Também não se sabe como essa situação do PL vai repercutir em toda a cadeia de pequenos municípios que acompanham a vida nacional também pelos grandes meios de comunicação.
Valdemar fez uma aposta de poder ao incorporar Bolsonaro: mais votos, mais deputados, mais dinheiro do Fundo Partidário. Seu partido era de direita, meio geleia geral, como os outros. Não calculou, entretanto, os prejuízos de encampar a extrema direita e sua luta antidemocrática contra as urnas eletrônicas, envolvendo dinheiro e energia do partido para fortalecer a tese de Bolsonaro totalmente insustentável. A própria Advocacia-Geral da União (AGU) bolsonarista produziu um relatório afirmando que não havia nada de errado com as urnas.
Valdemar é um jogador de grandes tacadas. Ganhar ou perder faz parte do jogo. Mas, parafraseando o poeta, há uma hora em que todos os cassinos se fecham.
A aposta de Bolsonaro e Valdemar só se sustenta porque justiça, imprensa e adversários ainda não param de falar deles. Mas até isso está em perigo, depois da chegada das consequências.
É inegável que a extrema direita tem uma base no Brasil, uma espécie de gênio que não volta mais para a garrafa. Mas é muito difícil chegar a algum lugar por meio de uma sucessão de derrotas e lances equivocados. Esse privilegio só nos dá a fé religiosa: por meio dela, com muitos sofrimentos, conquistamos o reino dos céus. Não pode haver algo mais distante dele do que a Papuda.
Fernando Gabeira*– é escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro. Atualmente na GloboNews, como comentarista. Foi candidato ao Governo do Rio de Janeiro. Articulista para, entre outros veículos, O Estado de S. Paulo e O Globo, onde escreve às segundas. Programas especiais – reportagens – para a GloboNews. Semanalmente, o podcast Fala, Gabeira! – no YouTube – https://www.youtube.com/@falagabeira2980