linda mulher

Uma linda mulher. Por Antonio Contente

     linda mulher       Entrou no restaurante, sentou, e, quando levantou a cabeça para soltar a vista viu, na mesa vizinha, a bela mulher. Ora, amigos, ter diante da gente algo assim é mais do que puro e simples deleite; pois se torna, principalmente, caminho para inumeráveis viagens. E aquela moça, a entrar nos olhos dele, resvalava pela certeza do inigualável; com a ternura do sentimento de navegação em torno da forma mais prazerosa de elevar o espírito.

O fato de estar com óculos escuros facilitava a ele se fixar  sobre a amanhecente criatura. Era suave, transbordante na morenez queimada, nos olhos meigamente acariciantes, nos cabelos curtos; mesmo assim capazes de condensar longos chamamentos às carícias das brisas. Não havia uma dobra, no contorno do rosto, que não fosse simetricamente justa, harmonia no delineamento total. Ao se mover pelos impulsos das falas, conduzia a alguma coisa de começo de voo de pássaro intimo de alturas só por ele alcançadas; o que fazia supor que o som de sua voz talvez resvalasse pelas tonalidades antecipadas de, digamos assim, alguma canção.

Absolutamente extasiado, apesar da brevidade do instante parecia ao admirador da moça estar ali num tempo sem limites; a passear por tudo que pudesse levar à rútila alma do inigualável, ao canto da essência da luz no cintilar do conjunto, à certeza do aveludado dizer no movimento dos lábios.

E, de repente, a beldade sorri. O mundo, o universo do sublime revelou-se contido na brancura imaculada de dentes mais que perfeitos, mais que simétricos, muito, muito mais alvos do que as neves do Kilimanjaro. A boca se entreabrindo materializava o caminho para o real significado dos suspiros. E o balançar da cabeça no instante da expressão maior da alegria contida levava, quem visse a cena, a correr pelo flutuar das admirações supremas.

Como se não bastasse, com a chegada de uma amiga ela, para abraçá-la, levantou. Colocando diante do admirador, já pálido de espanto como no velho soneto, a certeza de que naquele instante tinha, em renovada carícia para seu êxtase, o toque altíssimo que arrebataria criações de um Michelangelo, Rodin, Lorenzo Ghiberti, Bernini, Jacopo Sansovino, Filippo Brunelleschi ou Fídias. Em todos os seus instantes de aparições supremas, aquela jovem, no infinito, desencadeava altíssimos sopros de criação. Pois, com certeza, era a partir dela que nasciam estrelas absolutamente prontas para iluminar mundos com mares inviolavelmente azuis, montanhas com verdes perenes entremeados pelo colorido de flores suspirantes em pétalas com gotículas d’orvalho, e distâncias só dimensionáveis na aptidão de suas lonjuras formatadas em planícies de silêncios. Ela de pé, contida na calça jeans e tão somente uma camiseta branca, era o brotar e rebrotar da constatação de um todo terno, seios perfeitos a apontar para o passar das nuvens mais altas, colo de vale celeste em perfumado chamamento a caricias, e ancas que denunciavam andar de cadenciados movimentos a colocar em mágica partitura, com clave de sol, os bemóis, sustenidos e colcheias de fantástico ballet.

 O admirador sente, agora, em suas entranhas, os efeitos do pouso diante de deusa tão rara. Brotavam nele verdes prados de chamamento a brancas ovelhas e pastores, horizontes azuis no tamanho das distâncias que concedem aos anseios d’almas as possibilidades perfeitas, noites com claridades além de luas e, por fim, manhãs de pássaros em gorjeios certeiros aos espaços preciosos das janelas.

Eis que, agora, ela se prepara para ir embora. Atendendo a chamamento impossível de conter, no que a criatura se dirige para a saída ele vai atrás. Alcançam a calçada e, no que a maravilha atravessa a praça, ruflam sobre ela asas de passarinhos inesperados, súbitos pombos fazem rasantes, e raro vento faz com que galhos de súbita mangueira acenem como em despedida. Até que é absorvida pelo abrir das portas de um grande carro; que some inesperadamente como se nunca tivesse existido.

Tornando ao restaurante, nosso encantado, em dado instante, ainda na rua, precisou se apoiar num poste, para não cair. Imediatamente surge um moço que, com ar preocupado, pergunta:

         — Está sentindo alguma coisa, amigo?

         — Sim – ele responde – acabo de testemunhar as resoluções de todos os mistérios; agora sei como a luz se faz, as estrelas nascem, e murmuram entre pedras, como sonatas, os riachos de águas claras. Tudo, apenas, consequência de um doce instante de beleza.

         — Ora – o outro murmura – isso é como ver Deus. Acaso viu?

         — Certamente não – ele suspira – até porque, em geral ímpio, eu nem mereceria tanto. Mas vi sim.

         — Viu? Viu o que?

         — A obra mais perfeita, mais linda, mais maravilhosa, mais pura, mais sagradamente divina que aquele que é por muitos chamado de Supremo Arquiteto do Universo já criou…

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Antonio ContenteANTONIO CONTENTE

Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

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3 thoughts on “Uma linda mulher. Por Antonio Contente

  1. OMG meu querido amigo Antonio, que paixão foi essa? Li até o fim quase sem respirar. Fiquei extasiada com tal força do texto com palavras doces. Que linda mulher, não?!
    Sobreviveste? Graças a Deus?
    Um grande abraço.

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