Karma. Por José Horta Manzano
… para vocês, mais jovens (ou menos idosos), há de ser preocupante. Mais uma ou duas décadas assim, o karma vai ficar tão pesado que o país vai se desintegrar. E aí, salve-se quem puder…
Tem gente que acha isso bobagem; outros juram que é verdade. O Brasil tem um carma pesado. Será? A palavra vem do sânscrito, o ‘latim da Índia’, considerado língua-mãe de praticamente todos os falares europeus.
Quer se escreva com k, quer com c, o carma guarda, em todas as línguas, o sentido original que lhe dão os hinduístas. Admitido o princípio da reencarnação, é possível entender a formação do carma individual, a acumulação de fatos e gestos ao longo das vidas passadas. Já o carma de um país me escapa. Dado que países não morrem nem reencarnam, como é que se construiria esse acúmulo de experiências?
Assim mesmo, muitos dizem que sim, que cada país tem seu carma. Será o carma da existência única, imagino. Se assim for, fica confirmado o que escrevi dois parágrafos atrás: o Brasil tem um carma pesado.
Parece que, em vez de evoluir, nosso país involui, regride, anda pra trás. Tomemos a Educação. Cinquenta anos atrás, metade da população era analfabeta. Em compensação, os que tinham a sorte de frequentar a escola recebiam instrução de qualidade bem superior ao que se vê atualmente. Era uma época em que professor ensinava e aluno aprendia. Hoje, há quantidade de doutores diplomados incapazes de compreender um texto simples.
Na política, a involução também é notável. Em 1949, o deputado Barreto Pinto foi cassado por seus pares – nada de intervenção do STF. Seu crime? Numa uma entrevista à revista O Cruzeiro, apresentou-se vestido de fraque (paletó tipo ‘rabo de andorinha’, camisa e gravata), mas sem calça (só de cuecão samba-canção). Em sua defesa, alegou ter sido enganado pelo jornalista, que teria garantido que a foto só ia aparecer da cintura para cima. A desculpa não convenceu a comissão de ética. Perdeu o mandato por quebra do decoro parlamentar.
Poucos anos atrás, um certo Chico Rodrigues, senador da República, estava para embarcar num avião. Os federais detectaram um volume estranho no seu traseiro. Na revista, descobriu-se que ele carregava na cueca grande quantidade de notas de dinheiro, algumas enfiadas naquele lugar normalmente utilizado como porta de saída, não de entrada. Investigado, pediu licença do cargo. Depois de meses afastado, foi voltando aos poucos e continua por aí, transitando por palácios, sem ser incomodado.
Então, as coisas mudaram ou não? Sim, é certo que mudaram. E pra pior!
O povo brasileiro está precisando de aulas que ensinem a viver em sociedade. Já que a meninada nem sempre aprende essas coisas em casa, cabe à escola ensinar o que é certo e o que é errado, o que pode e o que não pode. A impressão que se tem é de que muito brasileiro de hoje não tem essas noções. Pode parecer bizarro, mas não vejo outra explicação.
Quando bandido atual se esconde, não é por sentir vergonha pelo que fez, mas por medo da polícia. Ninguém mais é honesto por acreditar no valor da honestidade; boa parte dos brasileiros de hoje são honestos porque têm medo de ser apanhados com a boca na botija. Não fosse isso, ninguém os seguraria.
Pra mim, pessoalmente, esse estado calamitoso de dissolução da sociedade não tem grande importância: minha quota já está quase completa. Mas para vocês, mais jovens (ou menos idosos), há de ser preocupante. Mais uma ou duas décadas assim, o karma vai ficar tão pesado que o país vai se desintegrar. E aí, salve-se quem puder.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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