Verdades inoportunas II. Por Charles Mady
Verdades inoportunas… Durante décadas, lemos e ouvimos informações detalhadas sobre o terrorismo palestino, condenável em todos os sentidos. Pouco se lê sobre o terrorismo israelense. Mas, até hoje, todos os palestinos são tratados como terroristas, desde o nascimento…
[Atualização de texto publicado em 3 de julho de 2023]
Punições coletivas. Demolições de residências. Pogroms. Limpeza étnica. Incêndio proposital de vilas. Supremacismo. Racismo. Apartheid. Deir Yasin. Tantura. Jenin. Hawara. Indiferença às leis internacionais e às opiniões de outros. Termos, palavras, frases, situações comprovadas por diferentes órgãos de direitos humanos, mas raramente escritas ou comentadas por nossa imprensa.
Durante décadas, lemos e ouvimos informações detalhadas sobre o terrorismo palestino, condenável em todos os sentidos. Pouco se lê sobre o terrorismo israelense. Mas, até hoje, todos os palestinos são tratados como terroristas, desde o nascimento. Políticos israelenses se referem a eles, em discursos oficiais no Knesset, com esses termos. Será que nascem terroristas, ou encontram um caldo de cultura próprio para se tornarem agressivos?
Não desculpo seus atos, mas entendo a gênese de suas atitudes, baseada em desespero, desesperança e ódio. Esses sentimentos estão levando o ser humano a praticar qualquer tipo de violência, mesmo as mais condenáveis. Há razões para isso? Acordar de madrugada vendo um soldado encostar um fuzil na cabeça de um filho é suficiente para transformar o mais pacífico dos pais em indivíduos extremamente agressivos. Ver suas casas seculares destruídas, ou sendo ocupadas por imigrantes de todas as partes do mundo, que mal conhecem a região, suas terras serem confiscadas, por causas as mais esdrúxulas possíveis, sofrer humilhações em postos policiais, várias vezes ao dia, e todos os dias, sofrer segregação até em estradas e meios de transporte, não são toleráveis por qualquer ser humano. Serem tratados como seres inferiores, e chamados de “animais humanos” publicamente, em pleno Knesset, discriminados em todas as atividades, fatos reconhecidos pelo mundo todo, e que devem ser encarados como racismo e terrorismo de estado, são de difícil perdão.
Situações semelhantes ocorreram na Segunda Grande Guerra, comovendo a humanidade. E o mundo observa quieto, de forma hipócrita, por se tratar de um povo que sofreu, e que se tornou inatacável, cometendo crimes semelhantes àqueles dos quais foram vítimas, com a autorização de “deus”. O sofrimento geralmente leva o ser humano à tolerância e compreensão, procurando o caminho para conviver em harmonia e paz, independentemente de religiões e filosofias de vida. Não foi o que aqui aconteceu.
Não gostam de comparações, mas na Segunda Grande Guerra os nazistas aplicavam punições coletivas em zonas ocupadas, fuzilando muitos quando um soldado era morto ou atacado, caso o responsável não se entregasse. Hoje, demolem-se casas caso alguém da família pratique um ato terrorista. Será que a família é toda terrorista? Ou expulsar os seus ocupantes, colocando em seus lugares fanáticos armados até os dentes, com liberdade para matar, em nome de um “deus”, que não é o meu, e que seguramente não aprovaria essas atitudes? Em um país pretensamente civilizado, se um criminoso for capturado, e a família pagasse esse preço, qual seria a reação geral? Tratam-se de crimes contra a humanidade. E procuram colocar nesses locais grupos de fanáticos extremamente agressivos, armados até os dentes, protegidos pelo governo, e que têm autorização para matar.
Será que alguém tem o direito de expulsar famílias que moram há décadas, ou séculos em suas casas, para simplesmente ocupá-las e entregá-las a outras que mal conhecem a região? Isto faz parte de um processo chamado limpeza étnica, que a imprensa israelense comenta diariamente, mas a nossa não. É uma realidade sem contestação, comprovada, mas que gera profunda agressividade quando colocada em pauta. E utilizam o termo antissemita a quem apontar esses crimes indefensáveis. Ficam acima do bem e do mal, julgando as ações “necessárias” a seus fins.
Nas Escrituras, há trechos que preconizam a morte em determinadas situações. Rabin foi assassinado com base nesses preceitos, assim como as vítimas das chamadas mortes seletivas.
São temas que mereceriam discussões sérias, isentas de preconceitos, com grupos de variadas origens e pensamentos, não contaminados por sectarismos e fundamentalismos radicais, que só enxergam a destruição do “outro”. Se não devidamente resolvido, esse problema se arrastará por muito tempo, aumentando em proporção geométrica a destruição e o ódio. Até quando? Quanto mais passa o tempo, mais enraizados ficam os problemas, com a barbárie se tornando algo “normal”.
Até onde vai a resiliência desses povos? Quando terão uma vida normal? Não adianta divulgarem atos heroicos diariamente, alimentando uma soberba autodestrutiva, típica de regimes totalitários.
Como costumo dizer, para ira de alguns, tão cultos e tão cegos.
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– Charles Mady, Médico e Professor associado do Instituto do Coração (Incor) e da Faculdade de Medicina da USP
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