Terceira Guerra Mundial? Por José Horta Manzano
Terceira Guerra Mundial? Muitos entendem que esses sinais de rearmamento são preocupantes, mas acredito que não devemos nos deixar dominar pelo pânico…
[Artigo publicado no Correio Braziliense e no blogue do autor]
Sir Winston Churchill foi o líder que conduziu a Grã-Bretanha à vitória na Segunda Guerra Mundial. Em 1945, encerradas as hostilidades, candidatou-se à reeleição como Primeiro Ministro mas seu povo retribuiu com pesada ingratidão: não o reelegeu. Decerto amargurado, Churchill aceitou com alegria o convite que lhe fez Harry Truman, presidente dos EUA, para visitar o país no ano seguinte.
Naquela época, forasteiro vindo de longe costumava fazer estada de vários dias. Sem saber direito como preencher o tempo em que o inglês estava de visita, o presidente Truman convidou-o para comparecerem juntos a uma cerimônia em Fulton, explicando que Missouri era seu estado natal, uma linda região. Churchill, ainda ressentido com a ingratidão dos britânicos, teve gosto em aparecer ao lado do presidente americano.
Cidadezinha do Meio-Oeste americano, Fulton nunca tinha vivido um evento histórico como o daquela primavera. E nunca mais voltaria a presenciar nada de tal importância. Ninguém imaginava que ali, num acanhado instituto de ensino, o visionário inglês havia de traçar as fronteiras do novo mundo que estava surgindo.
Naquele 5 de março de 1946, Sir Winston fez um de seus mais famosos discursos: “From Stettin in the Baltic, to Trieste in the Adriatic, an iron curtain has descended across the continent” (De Stettin, no Báltico, a Trieste, no Adriático, uma cortina de ferro desceu sobre o continente). O pronunciamento entrou para a História como o “Discurso da Cortina de Ferro”.
De fato, nenhuma expressão mais adequada poderia ter sido inventada para descrever a linha de demarcação entre o mundo capitalista, capitaneado pelos EUA, e o mundo comunista, que orbitava em torno da União Soviética. A expressão Cortina de Ferro entrou para o vocabulário comum e permeou os 50 anos seguintes. Foram décadas durante as quais o mundo viveu à beira de uma guerra nuclear entre Washington e Moscou, um conflito que, tivesse estourado, poderia ter significado a extinção da vida no planeta.
Mas a guerra, como se sabe, não aconteceu. A humanidade roçou a beira do abismo, como em 1960, quando um avião espião americano foi abatido sobre território soviético. Ou então quando da crise dos mísseis russos instalados na ilha de Cuba, em 1962. Embora EUA e União Soviética tivessem, cada um, arsenal capaz de aniquilar a vida no planeta, a temida guerra não aconteceu.
A explicação está justamente na potência bélica dos adversários. O fato de Washington e Moscou disporem ambos de força terrível não aumentou o risco de guerra. Pelo contrário, o temor reverente que mutuamente se inspiravam, de certa forma, os igualou. Cada uma das duas potências estava ciente de que, se ousasse atacar, a resposta viria, devastadora.
De uns anos para cá, temos visto forte expansão do poderio chinês. O incremento das forças chinesas, porém, não tem diminuído o potencial bélico dos EUA, que permanece no patamar em que sempre esteve. A Rússia, que não conseguiu quebrar a espinha da vizinha Ucrânia em dois anos de guerra, mostra falta de vigor no corpo a corpo, mas continua dona do maior arsenal atômico do planeta.
Bem recentemente, chegam informações de que o Irã está prestes a se inscrever no clube das potências atômicas, que o Japão já possui tecnologia para mandar foguete à Lua, que os mísseis dos guerrilheiros Houthis (Iêmen) já conseguem causar danos a navios de passagem, que a Otan acaba de organizar os mais importantes exercícios militares conjuntos desde o fim da Guerra Fria, que o Irã lançou estes dias seu primeiro satélite de órbita elevada, que a Europa dobrou seu orçamento militar.
Muitos entendem que esses sinais de rearmamento são preocupantes, mas acredito que não devemos nos deixar dominar pelo pânico. O crescimento bélico da China, do Irã e de outras praças não tem de ser encarado necessariamente como sinal de agressão iminente. O mais provável é que funcione como contrapeso, como força dissuasora, exatamente como funcionou o potencial atômico dos grandes adversários durante a Guerra Fria. A mensagem tende a ser: “Não se meta comigo porque eu também estou carregando quatro pedras no bolso”. Um mundo com potências bem armadas pode ser a receita do equilíbrio.
“Si vis pacem, para bellum”. Se queres a paz, prepara a guerra – o adágio latino emana de milenar sabedoria.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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