Enterrada na areia. Por Silvia Zaclis
Estou chocada. Acabei de descobrir que as avestruzes não enterram a cabeça na areia quando estão assustadas. Nem na areia, nem em nenhum outro buraco!
Estou chocada. Acabei de descobrir que as avestruzes não enterram a cabeça na areia quando estão assustadas. Nem na areia, nem em nenhum outro buraco!
Há poucos anos escrevi vários textos em que comento de maneira nada lisonjeira esse costume tão estranho. Pois é, fui enganada. Aceitem, pois, avestruzes, esse desagravo.
Pelo jeito, ao invés de se esconder, a ave é ótima para correr do perigo; ela pode percorrer até 30 quilômetros a mais de 70 quilômetros por hora; e ainda tem um coice poderoso quando precisa se defender. Ou seja, parece que só o ser humano é que enfia a cabeça na areia quando não quer ver, ouvir ou se manifestar sobre determinado assunto.
Eu, em geral, tento manter a cabeça acima da areia ou de qualquer outra caçapa confortável…, mas não sou forte nem rápida como a avestruz. Em consequência, não tenho encontrado um jeito de encarar o mundo com alguma certeza.
Outro dia ouvi uma frase que diz “cada um tem direito a sua própria visão dos fatos, mas não pode criar seus próprios fatos”.
Penso nos reféns israelenses, e tento me colocar no lugar das famílias. Ainda estavam dormindo quando foram acordados por alertas de bomba e em seguida viram suas casas invadidas por bandidos dispostos a matar, degolar, matar, ferir, estuprar, incendiar. E, segundo diversos depoimentos, demonstrando uma grande alegria em poder trucidar as pessoas com requintes de crueldade. Ainda com roupas de dormir e descalços, muitos foram levados para Gaza.
É nesse trecho da história que me vem a vontade de ser avestruz. aquela da lenda, não a ave real, que não se esconde do perigo.
Como suportar imaginar que, passados três meses, mais de uma centena de pessoas – a mais jovem sendo um bebê de 1 ano de idade- esteja ainda em poder dos inimigos, nas mãos do Hamas? Insuportável. Depois da divulgação dos horrores vividos pelos reféns libertados durante o cessar-fogo, e da dificuldade dessas pessoas em voltar a uma vida com alguma normalidade.
Insuportável, sobretudo, é constatar como o mundo obliterou os prisioneiros. Como é que, diante de fatos tão escabrosos e desumanos – na maior parte registrados em vídeo pelos próprios assassinos- é possível não se revoltar, é possível se calar?
Voltando à veneranda ave, torço para que essa reação de tantos seres ditos humanos – que não enxergam os reféns – seja uma forma de enterramento de cabeças na areia em nível mundial. Escondendo-se por medo ou vergonha. Pois como é concebível imaginar que, por qualquer questão política, religiosa ou territorial, alguém tenha estômago para apoiar essa indignidade?
Que raios de Humanidade é esta?
__________
SILVIA ZACLIS – É JORNALISTA