Mercado de Carbono. Por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão
Mercado de carbono: aliado ou concorrente?
Na expectativa de descobrir novas fontes de receita para amparar a economia, o governo brasileiro vem propagando um “futuro” baseado no ciclo comercial do carbono e na importância da bioenergia. Serve, no mínimo, de apoio para a discussão sobre “oneração” e “desoneração” fiscal tributária, pontos de inflexão política.
Para além disso, faz ressurgir das tais “memórias do esquecimento” uma das políticas públicas que mais alavancaram a economia brasileira nos anos 60 e 70: a Lei no 5.106, de 02.09.de 1966, que permitia investimentos em reflorestamento por parte de pessoas físicas e jurídicas, até o limite de 50% do imposto de renda devido. Tirou o Brasil de uma cultura extrativista, inconscientemente predatória, para criar milhares de empresas e empregos de base florestal no país.
Em pouco mais de dez anos, o setor passou a ser responsável por 4% das exportações brasileiras. Gerou mais de um milhão de empregos em todo o Brasil. Só a modesta indústria moveleira, que operava de maneira primitiva, abriu 255 mil empregos diretos e institucionalizou mais de 18 mil negócios, transformando-os em pessoas jurídicas cooperativas, e que, em 2021, tiveram um valor de produção estimado em aproximadamente R$ 78,1 bilhões (Abimovel, 2023).
Tornou-se no maior programa de reflorestamento do mundo. Reproduzia-se em sofisticados empreendimentos nas áreas da siderurgia, do papel, da celulose, dos laminados e aglomerados e da indústria moveleira, gerando fabricantes periféricos de pequenas máquinas, ferramentas, colas, tintas, vernizes, óleos, tacos, embalagens, chapas, parafusos, forrageiras, sementes e mudas selecionadas, designs originais, que atraíam italianos, ingleses, japoneses, norte-americanos, pela alta qualidade e beleza dos produtos. Eram três mil subprodutos derivados da floresta.
O reflorestamento oferecia alternativas de matérias primas naturais abundantes e de economicidade maior, ao mesmo tempo em que as espécies tropicais nativas, particularmente algumas madeiras duras, como o mogno, o cedro, o jacarandá, o jequitibá, a sucupira e outras que, por sua vez, demoravam 20 a 30 anos para viabilizar-se economicamente. Os brasileiros descobriram que, com 6 a 7 anos, a madeira de pinus (Pinus elliottii e Pinus taeda), introduzidas por meio de sementes importadas, apresentavam resultados similares. Centenas de experimentos feitos nas universidades e pelas empresas mostraram sua adaptação ao clima e ao solo tropical, inclusive os mais áridos. Brasília foi cercada para um cinturão florestal.
O programa ganhou maturidade, tornando-se um negócio como outro qualquer, incorporando, sem dúvida, também os males da corrupção e a ideia explícita da agressão à natureza pelos grandes desmatamentos, sem reposição, voltados para abrir espaços para a agricultura extensiva, que envolvia o cultivo de grandes áreas de terra, baixo uso de mão de obra e de tecnologia.
Os produtos e subprodutos florestais ocupavam o 5º. ou 6º. lugar entre as exportações brasileiras. As grandes indústrias florestais e periféricas juntaram-se em polos de desenvolvimento, ganhando configuração e mercado próprio. Concomitante, na área da agricultura, capitaneada pelo professor Alyson Paulinelli, desencadeara-se a “Revolução Verde”, gerando massa crítica profissional, pesquisas, altas tecnologias, a introdução de insumos, máquinas agrícolas, fertilizantes, que independiam do clima. Representado por um 1/3 das exportações, tornou-se um dos maiores produtores mundiais de alimentos.
Não é, entretanto, esta a imagem que ficou na história da economia brasileira. No início dos anos 80, a moralidade ambientalista chegara, combatendo, em nome da ciência, da qualidade de vida e da proteção dos recursos naturais, a revolução agrícola e os desmatamentos, sobretudo na Mata Atlântica, e as queimadas na Amazônia, que destruíam, de fato, solos férteis, a fauna, princípios biológicos ativos, e poluíam os rios. A indústria, inclusive a florestal, passou a ser acusada de produzir gases que agrediam a atmosfera e o ar que respiramos. A modernidade expulsava os trabalhadores do campo, engrossando a pobreza da vida urbana.
A política florestal tomaria outros rumos. O Brasil descobrira a sustentabilidade, e geraria visões novas sobre a proteção dos recursos naturais. Depois de revisar os incentivos, incrementaram-se programas compulsórios de reposição florestal e de preservação dos ecossistemas originais, bem como de cooperação entre pequenos produtores rurais, reunindo propriedades familiares (2011).
Contudo, havia alcançado a autossuficiência na produção florestal e incorporado ao sistema outros produtos da floresta que passaram a ser incluídos nas formulações acadêmicas da biotecnologia – essências silvestres para a indústria farmacêutica e perfumaria, frutos da floresta, como açaí, palmitos, cacau, castanhas, pimentas e forragens. O setor estava consolidado. A política florestal ganhara, entretanto, um novo perfil, associado agora fortemente às preocupações com o meio ambiente e, mais recentemente, também com as mudanças climáticas.
Caminhando para os oitenta, Lula está alheio a isso. Preocupa-se é com as novas oportunidades comerciais que estão desembarcando no setor, como o mercado de carbono e do hidrogênio verde. Sua mensagem vai ao encontro de quem dispõe de maciços de florestais naturais ou de reflorestamento: a venda, em toneladas, da captura do CO² pelas florestas. Essa pretensiosa intenção tende a ser concorrente forte para os segmentos industriais e extrativistas produtivos baseados na floresta.
Estaria ele no caminho certo? Na Itália acabaram de descobrir um grupo de ativistas profissionalizados formuladores e difusores de teorias conspiratórias pelo mundo.
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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural, ex-guarda florestal do Parque Nacional de Brasília Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018