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Democracia e seus temores. Por Fernando Gabeira

Celebramos no 8 de Janeiro um ato que se chamou Democracia Inabalada. Isso nos transmite a impressão da força da democracia, depois das eleições e do fracasso de uma tentativa de golpe.

Quando olhamos de fora, pensamos: E la nave va. Mas esse imenso barco da democracia inabalada tem alguns furos que, lá na frente, podem resultar em algo como as revoltas de 2013. Em outras palavras, existem coisas que potencialmente podem colocar o povo contra a democracia.

Desde o século passado, quando se teorizou sobre a sociedade do espetáculo, é relativamente clara a ideia de que governos e sistemas não dependem apenas do que fazem. São determinados pela visão que se transmite deles pela mídia.

Começam aí minhas apreensões. Atualmente, essa visão não é apenas transmitida pela mídia, mas também, e fortemente, pelas redes sociais. Acontecimentos que passam de raspão na imprensa, às vezes fermentam nas redes sociais. Ou pelo menos são plantados como mais uma semente que adiante pode germinar.

Recentemente, o ministro Dias Toffoli anulou uma multa de R$ 10,3 bilhões da J&F. É a mesma empresa que empregou o recém-saído ministro Lewandowski como consultor, a mesma que se complicou muito no período da Lava Jato. Somado à proximidade que governo e STF têm mostrado nos últimos tempos, esse fato dá margem a inúmeras elaborações, sempre negativas para a Corte.

Coube ao Supremo analisar e punir as transgressões do 8 de Janeiro. Esse é outro capítulo ainda em aberto. A posição é punir com rigor. No entanto, sem estrutura para cuidar de tantos casos, o Supremo deixou algumas brechas. Houve suicídio, denúncias de desrespeito aos direitos humanos e pouquíssima fiscalização social: até visitas de parlamentares foram proibidas.

Sem contar que a corda arrebentou do lado mais fraco: invasores foram condenados a longas penas, como se a tentativa de golpe se limitasse exclusivamente à invasão. Tudo isso nas redes cai num caldeirão sempre remexido, com resultados visíveis no tempo.

A live de protesto pelas condições dos presos do 8 de Janeiro recebeu 8 milhões de visualizações, audiência muito maior que a do próprio ato Democracia Inabalada.

O caldeirão se alimenta também de pequenos deslizes de ministros, uma gasolina aqui, uma viagem ali, enfim, fatos diversos que passam pela mídia. Mas há também feridas mais profundas, como a destinação de quase R$ 5 bilhões para financiar as eleições municipais. É sentido como um absurdo diante de tantas necessidades inadiáveis no Brasil.

Indo um pouco adiante. A imagem da democracia que depende da mídia e das redes sociais começa a apresentar também fragmentação: a imprensa aparece na rede como cúmplice da decadência. Recentemente vivi isso. Sou acusado de criticar Bolsonaro no caso ianomâmi e elogiar Lula.

Vejo uma diferença clara de comportamento. Bolsonaro queria e quer a dissolução dos indígenas na sociedade abrangente. Lula reconhece sua identidade, criou um ministério para isso, viajou para Rondônia, investiu numa ação de emergência que, parcialmente, fracassou por falta de continuidade.

Nas redes, a dificuldade de resolver a questão ianomâmi e a retirada dos garimpeiros aparecem como se o esforço do ano passado fosse apenas um jogo de cena destinado a enganar.

Recentemente, o filho de um ministro do STJ se exibiu com roupas caríssimas nas próprias redes sociais. Sem comentários. Registro apenas que um juiz do Rio proibiu que a exibição fosse criticada. Isso fortalece a desconfiança em qualquer projeto de controle democrático sobre as redes. Dá a impressão de que, no fundo, é algo apenas para facilitar a censura.

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