Genocídio? Por José Horta Manzano
A “Convenção para a prevenção e a repressão do crime de genocídio”, arquitetada pela ONU, foi assinada em 1948 e ratificada por praticamente todos os países do globo, apenas uma dezena deles ficando de fora…
A “Convenção para a prevenção e a repressão do crime de genocídio”, arquitetada pela ONU, foi assinada em 1948 e ratificada por praticamente todos os países do globo, apenas uma dezena deles ficando de fora.
A partir dessa convenção, o crime de genocídio ficou formalmente enquadrado e tipificado. São cinco condições que determinam se há genocídio ou não. O texto oficial é o seguinte:
Na presente Convenção, entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tal como:
1) Assassinato de membros do grupo;
2) Dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
3) Submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial;
4) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
5) Transferência forçada de menores do grupo para outro grupo.
Portanto, faz 75 anos que não deveria haver dúvida na hora de qualificar determinados atos como genocidários ou não, visto que há uma definição precisa. Na prática, porém, não é assim que funciona. Todo governo apontado como autor de genocídio costuma repelir com veemência toda acusação.
Muitos vêm acusando Israel de estar levando a cabo genocídio qualificado contra o povo gazeu estes últimos três meses. A África do Sul foi além: junto à Corte Internacional de Justiça, denunciou o governo israelense de conduta genocidária. Trata-se de um processo altamente simbólico, mas sem efeito coercitivo. Seja qual for a decisão do tribunal (que pode demorar até anos para sair), não há meios de obrigar Israel, na hipótese de ser condenado, a pôr ponto final em seus atos.
O distinto leitor e a adorável leitora certamente têm acompanhado, ainda que com um ouvido distraído, o noticiário sobre a guerra feia que Israel está travando contra o Hamas, organização terrorista que se aninha em Gaza e cujos membros se misturam com a população civil.
Temos informações sobre a amplitude dos bombardeios, que não poupam residências, escolas, hospitais, campos de refugiados, até roças de hortaliças. Temos ciência de pronunciamentos de diversos ministros israelenses que preconizam ora uma ocupação perene do território, ora uma expulsão da população gazeia em direção ao Egito.
De posse dessas informações e conhecendo a definição de crime de genocídio, cada um pode tirar suas próprias conclusões e julgar, se sim ou não, Israel lhe parece um Estado genocida. Em nossa república, o pensamento ainda é livre.
No entanto, em política – especialmente em política internacional – há que tomar grande cuidado com o que se diz. Muitas cobras e infinitos lagartos têm às vezes de ser engolidos com o sorriso (nosso, não dos bichos). Não se tecem relações estrangeiras com o fígado, mas com um cérebro bem repousado e depurado de emoções fortes.
Nosso presidente dá mostras de ter-se deixado mais uma vez arrebatar pelo antiamericanismo primitivo e enraizado que condiciona sua visão de mundo. Ao dar-se conta de que “os louros de olhos azuis” (europeus e americanos) desaprovam a iniciativa da África do Sul, fez questão de bandear para o outro lado. Apoiou a atitude sul-africana e fez disso política oficial: o Brasil qualifica Israel como nação genocida.
É pena que Luiz Inácio nunca tenha frequentado um curso preparatório para a função de estadista. Talvez até nem exista nenhum cursinho desse gênero. Se ao menos tivesse feito uma formação rápida no Itamaraty, por exemplo, teria aprendido aquela história das cobras e dos lagartos. Embora odeie Israel (que é amigo dos americanos!), o melhor a fazer perante esse processo movido pelos africanos teria sido calar-se e não se pronunciar nem sob tortura. Não teria feito mal a ele nem a nós.
Agora, com leite derramado, é tarde. O gato já está lambendo.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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