Oriente Médio. Visões destrutivas. Por Charles Mady
Situações injustificáveis, como o uso de pessoas como escudos e armas proibidas, assassinatos seletivos, intolerância religiosa, assim como a insistente repetição de frases e palavras de efeito, são usadas de forma hábil para levar a opinião pública a assumir posições radicais contra um dos lados…
Artigos recentes, de autores que insistem em argumentos desgastados e destrutivos, com motivos doutrinários e sectários, aparecem com frequência na imprensa. São textos que incitam a polarização e o ódio, não propondo caminhos construtivos que levem a pavimentação da estrada em direção à paz entre o Estado da Palestina e Israel. São sempre os mesmos a querer catequizar o leitor com suas informações, submetendo-o a uma lavagem cerebral típica de países totalitários, e sempre demonizando o oponente. É um jogo de poderes, onde os interesses predominam sobre os fatos reais. A desigualdade como os adversários estão sendo apresentados motivou este texto, com respeito e críticas a ambos os lados, conforme exposto em artigos prévios.
Fatos desumanos recentes geraram respostas igualmente desumanas na região, transformando a barbárie em algo corriqueiro aos olhos das sociedades do mundo todo. Bastaria consultar a imprensa de variados países, que denunciam os crimes, mas aqueles que poderiam impor soluções se mantêm calados. Sim, impor, pois ambos os lados se mantêm radicalmente irredutíveis em suas intenções. Um item maligno dessas pretensões é a total eliminação do outro, comprovando a falência moral e o radicalismo que esses povos cultos atingiram. Chama a atenção que essas culturas não conseguiram construir sociedades atuais igualitárias, estáveis, pretensamente civilizadas, em uma época na qual o ódio determina a atuação, e não a colaboração.
Situações injustificáveis, como o uso de pessoas como escudos e armas proibidas, assassinatos seletivos, intolerância religiosa, assim como a insistente repetição de frases e palavras de efeito, são usadas de forma hábil para levar a opinião pública a assumir posições radicais contra um dos lados. Será que todo palestino nasce terrorista? Ou será que todo israelense é a favor de expansionismo, da segregação e do desrespeito aos direitos humanos? Tentando fazer uma analogia, qual era o nível de consciência do povo alemão sobre o Holocausto? Será que apenas um lado deve deter a posse de uma cidade santa para as três religiões monoteístas? Será que o povo americano, se fosse informado devidamente, teria concordado com o lançamento das bombas por eles fabricadas, que estão arrasando cidades inteiras, que ficam parecidas com as densamente povoadas, e destruídas Dresden e Hamburgo no final da segunda guerra?
Um dos responsáveis por esses crimes, ao visitar suas “obras”, entrou em crise depressiva profunda. Será que pensar de forma diferente, por exemplo, da israelense, seria ser antissemita, ou da palestina, seria ser antiárabe? É deprimente diariamente ler e ouvir que bombas que destroem quarteirões são continuamente usadas em áreas palestinas, matando a população de forma indiscriminada, inclusive dezenas de milhares de crianças, e obrigando populações a se aglomerar em outras vilas, sem água ou comida, que são proibidas de lá chegar?
Ao mesmo tempo, o israelense vive diariamente com medo. Será que estão “ limpando” o terreno para futuros habitantes, utilizando esse último incidente para colocar em prática esse plano previamente construído? Trata-se, sem dúvida, de uma limpeza étnica, e as reações são violentas. Há anos, o sequestro de um jovem israelense motivou uma reação mundial impressionante. Será que a vida de um israelense vale mais que a de um palestino? São ironias que podem ser interpretadas como consequentes aos sectarismos, supremacismos, radicalismos e imperfeições humanas.
A “barbárie” dos inimigos é também apontada na forma de se esconderem, como se tivessem outras formas e locais para isso. São guerrilhas, nas quais tudo infelizmente é válido aos envolvidos. Em determinados artigos americanos, critica-se até a presença de alunos provenientes dessas regiões em escolas e universidades. Esquecem-se de que países como os Estados Unidos foram construídos também por esses “inimigos”. Eles não têm tanques de guerra para protegê-los, dando-lhes abrigo seguro em terreno aberto, nem força aérea para localizar e bombardear inimigos em campos visíveis. Portanto, usam buracos, cavernas e esgotos para se esconderem. Utilizam vilas e hospitais como esconderijos, colocando a vida de outros em perigo.
As consequências das guerrilhas no extremo oriente são até hoje sentidas, décadas após, inclusive em doenças acometendo recém-nascidos. Quais serão as consequências futuras nessa região? A desproporção de forças era, e é imensa, mas há danos enormes em ambos os lados. Os erros e crimes devem ser colocados abertamente, para serem julgados, em ambos os lados. A juventude paga preço elevado, com o trauma de guerra presente o resto de suas vidas. A sociedade israelense vive diariamente esse trauma, dentro de uma sociedade policialesca, e a palestina oprimida ininterruptamente, esforçando-se para sobreviver.
Esses povos deveriam entender que humanizar o oponente leva à sua compreensão, abrindo as portas ao diálogo, que provavelmente não ocorrerá por vontade própria tão já. Seria, então, o momento de países poderosos usarem toda a sua influência não pensando apenas em geopolítica, mas sim em bem-estar de seres humanos.
E em seus povos.
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– Charles Mady, Médico e Professor associado do Instituto do Coração (Incor) e da Faculdade de Medicina da USP